“Se for preciso tapem a cara com uma mão e votem com a outra”. Nessa eleição para presidente da Câmara, talvez a oposição tenha de recorrer à máxima do histórico dirigente comunista português Álvaro Cunhal, quando da eleição presidencial de 1986, entre o socialista Mário Soares e o direitista Diogo Freitas do Amaral. Soares venceu, com apoio do PCP (Partido Comunista Português).
A eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados, que vai ocorrer no dia 2 de fevereiro de 2021, me fez lembrar da histórica eleição presidencial de Portugal, em 1986, em 2º turno, entre o socialista (social-democrata) Mário Soares, do PS (Partido Socialista); e o direitista Diogo Freitas do Amaral, do CDS (Partido do Centro Democrático Social). O PCP apoiou, em 1º turno, Francisco Salgado Zenha.
Naquela histórica contenda, os comunistas — liderados pelo histórico dirigente do PCP (Partido Comunista Português), Álvaro Cunhal (1913-2005)1 —, orientaram o voto para o “menor de dois males”, pois “não nutriam simpatia por nenhum dos candidatos”, sintetizado na frase de Cunhal: “Se for preciso tapem a cara [de Soares no boletim de voto] com uma mão e votem com a outra”2.
Nessa eleição para presidente da Câmara, talvez a oposição — PT (54), PSB (31), PDT (28), PSol (10), PCdoB (9) e Rede (1), com 133 deputados —, tenha de recorrer à máxima do histórico dirigente comunista português.
Nessa disputa polarizada, entre 2 grupos ou 2 candidatos aparentemente parecidos, na verdade há uma enorme diferença entre eles, não obstante no plano econômico, ambos professem o mesmo ideário — o neoliberalismo.
De um lado, o candidato do governo, já oficializado, Arthur Lira (PP-AL)3, é o que se pode chamar de “neoliberal conservador”, porque topa tocar também as pautas de costume do presidente Jair Bolsonaro.
De outro lado, o candidato do grupo liderado pelo atual presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), embora ainda não oficializado, vai ser o “neoliberal progressista”, cujo centro da pauta é a economia — reformas Administrativa e Tributária, e privatizações. Isto é, não haverá espaço na agenda do “progressista” para temas como “Escola sem partido”, liberação de armas, permissão para as crianças estudarem em casa (homeschooling), ideologia de gêneros, entre outras.
Os “dois males” disputam a oposição
Tudo indica que na eleição de fevereiro não vai haver espaço para diletantismos, seja pela esquerda4 ou pela direita. A disputa entre quem vai comandar a agenda na Câmara dos Deputados, no próximo biênio, vai se dar mesmo entre os grupos liderados por Rodrigo Maia e aquele por Arthur Lira, candidato de Bolsonaro — o chamado “Centrão”.
O grupo de Maia reúne 146 deputados: PSL (41), MDB (34), PSDB (31), DEM (28), Cidadania (8) e PV (4); por sua vez, o de Lira conta com 152: PP (41), PL (41), PSD (33), Solidariedade (13), Pros (10), Avante (8) e Patriota (6). Os 2 grupos estão tecnicamente empatados, por assim dizer, caso esses números sejam fiéis, ou seja, se os 2 blocos votarem fechados.
O PTB (11) e o PSC (9), embora não façam parte do “Centrão”, manifestaram apoio à Lira. A bancada do PSL é composta por 53 deputados. Na contabilidade oficial do portal da Câmara estão computados 41, porque 12 estão suspensos. Embora o partido esteja oficialmente no grupo de Maia, sabe-se que vai haver dissidência na bancada.
Ambos os grupos disputam os votos da oposição, que em tese tem 133 deputados, mas que ainda não definiu se vai votar em bloco. Assim, a equação definidora não vai ser matemática, mas política. Estão em disputa, ainda, os votos das bancadas do Republicanos (33), Podemos (11) e Novo (8). O 1º destes 3 partidos tem o nome do deputado Marcos Pereira (SP) avaliado pelo bloco de Rodrigo Maia, mas como a legenda pode apoiar o candidato do governo seu pleito perdeu força.
De um lado e de outro, dos 2 grupos que polarizam a eleição, espera-se que haja em torno de 20% de dissidências.
Sedução e oposição
O candidato bolsonarista, para seduzir o PT, propôs mudar a Lei da Ficha Limpa e, ainda, votar projeto de lei para voltar o financiamento dos sindicatos5, extinto com a aprovação da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17). O PT não deverá cair nessa esparrela, pois defende a unidade dos partidos de oposição nessa disputa para a Câmara e o Senado6.
O PSB, depois de reunião de sua Direção Nacional, na última sexta-feira (11), “recomendou” aos deputados da legenda que não apoiem Arthur Lira para presidente da Câmara7. Dos 31 membros da bancada, 18, segundo matéria do G1, queriam apoiar Lira.
O PDT descarta apoio ao candidato de Bolsonaro. Na bancada, “pesou o fato de o ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro ter denunciado num grupo de WhatsApp o uso do toma-lá-dá-cá para arregimentar votos em favor de Lira”, veiculou a jornalista do Correio Braziliense, Denise Rothenburg, em seu blog8.
O PCdoB, que apoiou Maia em 2019, deverá marchar com o grupo do atual presidente. O PSol, segundo o deputado Marcelo Freixo (RJ), vai lançar novamente nome para disputar o cargo. A iniciativa é simbólica, assegura Freixo. O partido estuda qual nome apoiar na disputa decisiva contra os bolsonaristas. Mas, certamente, não vai ser o candidato de Bolsonaro9.
Imperativo da realidade e matemática
Supondo que prevaleça o imperativo da realidade, ou seja, que a oposição não votará no candidato bolsonarista, pois haverá muita dificuldade de sustentar discurso favorável à Lira, e a lógica matemática, o candidato de Maia poderá vencer no 1º turno. Pode-se acreditar nisso? É preciso aguardar a evolução das negociações.
Isto porque a soma de votos entre o grupo de Maia (146 deputados) e o da oposição (133) perfaz o total de 279 deputados. Para eleger o presidente, em 1º turno, são necessários 257 votos favoráveis (maioria absoluta).
Mas, considerando que haja defecções, aqui e acolá, que faz com que a “matemática política” não seja exata e que o “imperativo da realidade” não esteja claro para todos que estão no jogo, mesmo assim, é possível vencer o candidato de Bolsonaro no 2º turno.
Que prevaleça o “menor de dois males”.