Nestes momentos em que se registra o passamento do ex-Presidente Jimmy Carter, dos Estados Unidos, muitas coisas nos veem à mente.
Brizola nunca escondeu seu grande carinho por Jimmy Carter. E procurava expressá-lo.
Brizola era governador do Rio de Janeiro quando Carter visitou o Brasil, já pela segunda vez, e como ex-Presidente. Na vez anterior, veio como Presidente, no momento em que levava mundo a fora sua luta pela proteção aos direitos humanos como questão central da vida política. Visitou Geisel e outras autoridades. Não foi recebido com simpatia.
Mas Carter procurou conversar também com os que lutavam pelos direitos humanos e democracia no Brasil, entidades e personalidades. Ficou célebre na época e em nossa memória o convite que ele fez a D. Evaristo Arns para acompanhá-lo no carro que o levaria ao aeroporto. Para uma conversa mais reservada e mais tranquila, claro.
Brizola recebeu ordem de expulsão do Uruguai em 48 horas. Saiu de sua fazenda (herança de D. Neuza) e foi pra Montevidéu a fim das providências que deveria tomar. Passando em frente à Embaixada americana, veio-lhe à mente que o Presidente dos Estados Unidos era Jimmy Carter, um homem bom, humano. Virou o carro e foi para lá. Expôs sua situação e pediu asilo. Os diplomatas certamente surpresos ou até espantados, logo ele, que havia expropriado duas empresas americanas, de eletricidade e telefonia, e se tornado célebre na luta anti-imperialista, e, ainda por cima, amigo de Fidel. Pediram tempo pra estudar o caso, que responderiam. O quanto antes, pois sabiam que às 48 horas já estavam rodando.
Era fim de semana, o Departamento de Estado (que tinha toda a ficha de Brizola) já não mais funcionava. O pedido foi direto pra Casa Branca. Carter estava em Camp David, casa de campo, e o pedido foi enviado diretamente a ele, talvez por sugestão da Embaixada no Uruguai, que certamente sabia do que estava acontecendo. Carter concedeu-lhe asilo. Brizola tinha que ir a Buenos Aires para cumprir às 48 horas e viajar até Nova York.
A situação era tensa, temia-se que muita coisa poderia acontecer: ditaduras no Brasil, Uruguai, na Argentina. A imprensa mundo a fora já acompanhava o assunto. No hotel onde se hospedou Brizola, os jornalistas optaram por passar a noite no corredor do quarto dele pra registrar ou até tentar impedir alguma coisa. À noite, Brizola recebe da Embaixada americana: nós estamos aí, acompanhando tudo.
Pelos acontecimentos, até por intuição, pelo comportamento do governo uruguaio e dos diplomatas americanos, pelos fatos que foram se clareando e por informações diretas que Brizola recebeu (tudo leva a crer que de militares uruguaios e até de brasileiros), o que houve foi o seguinte.
Estava na época da Operação Condor, com assassinatos de diversos políticos latino americanos, especialmente a morte suspeita de Jango. Teria havido o seguinte diálogo entre Geisel e Frota: Frota (Ministro do Exército, linha dura) disse a Geisel: precisamos eliminar Brizola, ao que Geisel teria respondido: é problema seu, você resolve, não tenho nada a ver. Com isto, Geisel autorizou a morte de Brizola. Os militares uruguaios ficaram sabendo, não queriam a morte de Brizola em território uruguaio, ou para proteger sua vida, determinaram sua expulsão do Uruguai.
Brizola deu o troco com finura própria de um estadista: tomando posse como Governador do Rio, Brizola nos chama, seus colaboradores mais diretos, e dá ordens ao Coronel Carlos Magno Nazareh Cerqueira, Comandante da PM: “Vá a Teresópolis na residência de Geisel e diga que nós oferecemos tudo que ele necessitar em pessoal e equipamentos da PM pra garantir a segurança e a vida dele.” Cerqueira nos informou que Geisel, entre surpreso sem graça, agradeceu e disse que não precisava, pois o Exército já tomava conta disto.
A primeira visita que Carter fez no Rio foi ao Palácio Laranjeiras, conversar com Brizola. Era simbólico: Carter visitava quem ele havia salvado com o exilio e havia se tornado Governador. Com sensação de felicidade pessoal e aquele sorriso aberto e constante, Carter ouvia Brizola discorrer sobre suas peripécias pra sair do Uruguai, o papel que Carter teve, sua vida de exilado em Nova York e o caminho que trilhara até chegar ali.
Brizola procurou cercar Carter de toda atenção, carros e seguranças à disposição e buscava estar com ele sempre que pudesse. Acompanhei muito de perto, pois em muitas vezes eu era o intérprete. O assunto político mais constante era a grande mudança operada pela eleição de Tancredo pelo Colégio Eleitoral, o significado da campanha das Diretas e o possível destino dos militares que se preparavam pra sair de cena. Brizola não escondia seu aborrecimento por não haver eleições diretas.
Brizola levou Tancredo pra conversar com Cárter, o que se deu na Igreja Presbiteriana. Carter queria ir a um culto, religioso que era. Conversa longa com Tancredo, análise do quadro mundial e das relações com os EUA. Estava próxima a eleição americana, Carter queria eleger Mondale, que havia sido seu Vice, que se candidatava contra a reeleição de Reagan. À noite, Carter subiu pra seu quarto no Sheraton a fim de assistir ao debate entre Mondale e Reagan.
Carter queria ir a uma favela e Brizola o levou ao Pavão/Pavãozinho. Entrou nas casas e mostrou uma face de pena e tristeza.
Na hora de levar Carter e D. Rosalyn para o embarque, Brizola pediu que Carter aceitasse passar na casa dele pra apresentar D. Neuza. Eu, no carro, acompanhando de intérprete. Não havia telefone celular, não se pôde avisar. Ao chegar, Brizola sai rápido e entra no elevador de serviço e eu, Carter e D. Rosalyn no elevador social. Entramos, Carter se interessou por algumas fotografias de Getúlio e outras, mostrei a cópia da Carta Testamento. Quando vimos, sai Brizola praticamente carregando D. Neuza, que estava de roupão laranja, toalha amarrada na cabeça: ela estava no banho. Algo envergonhada, mas com o sorriso aberto, felicidade pela oportunidade de encontrar Carter e Rosalyn. Veio acompanhada de D. Maria, mãe do Peréio, que, em um excelente inglês, traduziu toda felicidade de D. Neuza: “este é o casal que mais admiro no mundo”.
No carro de volta, Rosalyn e Carter disseram que acharam D. Neuza uma mulher muito bonita, o que Brizola procurou retribuir em relação a D. Rosalyn.
Brizola ficou aborrecido ao ver que o Consulado americano havia colocado Carter em um avião pequeno na ida a Brasília, de hélice, não jato. Se soubesse, teria tomado outras providencias.
VIVALDO BARBOSA – Ex-Deputado Constituinte e Ex-Secretário de Justiça do Brizola.