A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), nascida com a finalidade de criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher completa, neste mês de agosto, de 16 anos e, a fim de celebrar essa conquista que representou um grande avanço na defesa dos direitos das mulheres e, igualmente, sensibilizar e mobilizar a sociedade a denunciar esse tipo de violência, o mês é marcado pela campanha “Agosto Lilás”.
Diversas estratégias são desenvolvidas no cenário nacional durante a campanha objetivando conferir maior visibilidade à temática da violência doméstica ou familiar contra a mulher que, por sua vez, é diretamente relacionada à Lei Maria da Penha, considerada, hoje, uma legislação de referência em todo o mundo no combate a este tipo de violência.
Merece destaque o fato de que a Lei 11.340/2006 elenca, de forma exemplificativa, as formas de violência mais comumente praticadas no contexto doméstico, são elas: a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Tal rol, porém, não exaure as violências a que uma mulher pode ser submetida, merecendo destaque no atual cenário a violência política e violência obstétrica – com menor incidência no campo doméstico – mas que cotidianamente também vitimam mulheres.
A Lei Maria da Penha, ao longo desses 16 anos, passou por diversas alterações legislativas objetivando seu aprimoramento, merecendo destaque a alteração promovida em 2019 que prevê a possibilidade de que, verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor seja imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida pelo delegado de polícia – sem prévia ordem judicial – quando o Município não for sede de comarca; ou por outro policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da “denúncia”.
Ao franquear tal atribuição à autoridade policial que, em muitos casos, é único agente estatal capaz de imprimir a celeridade necessária para prevenir a escalada de violência, a lei tem como foco central a preservação da vítima por meio do rompimento imediato do ciclo da violência.
Essa iniciativa por parte do Delegado de Polícia é de extrema importância. A Pesquisa “Raio X do Feminicídio em São Paulo: é possível prevenir a morte”, elaborada pelo Núcleo de Gênero-MPSP com base em denúncias oferecidas pelo Ministério Público paulista revela que 66% dos feminicídios ocorrem na casa da vítima; em 97% dos casos de feminicídio tentado ou consumado as vítimas não tinham medidas protetivas e nos casos de feminicídio consumado, em 96% dos casos não havia qualquer registro criminal em face do agressor.
Dos dados acima podemos concluir que é possível prevenir a morte dessas mulheres no ambiente doméstico e familiar com uma atuação efetiva do Estado e esta atuação possui relação direta com a Polícia Civil, em especial, através de suas Delegacias de Defesa da Mulher que, diuturnamente, trabalham objetivando a redução do quadro geral de vitimização das mulheres no Brasil. Inclusive, destaca-se que os municípios que possuem delegacias de mulher experimentam uma redução na letalidade violenta contra mulheres entre 10 e 13% na média.
A Polícia Civil do Estado de São é um exemplo quando se trata da temática uma vez que a instituição conta, atualmente, com 139 Delegacias de Defesa da Mulher e uma Delegacia Eletrônica com funcionamento ininterrupto para registros de ocorrências e solicitação de medidas protetivas de urgência.
Passados cerca de 16 anos desde a sua edição, os avanços já conquistados na defesa dos direitos das mulheres, em especial após o advento da Lei Maria da Penha que trouxe visibilidade ao problema, são inegáveis, contudo, ainda estamos diante de um preocupante quadro geral de vitimização das mulheres no Brasil uma vez que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, uma mulher é vítima de feminicídio a cada 7 horas, isto é, ao menos 3 mulheres morrem por dia no Brasil pelo simples fato de serem mulheres – violência de gênero.
O “Agosto Lilás” é de extrema importância para colocar em destaque a histórica luta das mulheres contra a impunidade dos crimes praticados nos contexto doméstico e familiar, bem como celebrar todos os avançados já alcançados até o momento, sendo a própria Lei Maria da Penha um marco que deve ser festejado, no entanto, o compromisso em assegurar a efetividade da prevenção e combate à violência doméstica e familiar não deve se restringir a um único mês do ano e dirige-se a todos os Poderes, incumbindo ao Executivo, ao Legislativo, ao Judiciário e a própria sociedade como um todo unir forças para erradicar essa violência estrutural.
Jacqueline Valadares S. Alckmim, Delegada de Polícia titular da 2ª Delegacia de Defesa da Mulher/SP, Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e autora de obras jurídicas relacionadas ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher