Desde o início deste ano, o presidente Jair Bolsonaro já tinha plano para acalmar setores insatisfeitos com governo dele e com isto criar as condições para reeleição. Esse plano consistia em atender demandas de 6 segmentos, a partir de recursos orçamentários, que seriam viabilizados, de um lado, pela janela aberta no teto de gastos para 2022 e, de outro, custeados com a economia proporcionada pelas PEC Emergencial e da Reforma Administrativa, bem como pelos ganhos dos projetos de lei do imposto de renda, especialmente na tributação dos lucros e dividendos, e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
Não se cogitava àquela altura contar com a PEC dos Precatórios.
Os 6 segmentos beneficiados seriam:
1) os parlamentares do Centrão, com mais verbas para investimentos em obras;
2) os mais pobres, com a criação do Auxílio-Brasil, cujo valor em 2022 seria no mínimo o dobro do praticado pelo Bolsa-Família;
3) a classe média baixa, com a correção das faixas iniciais da tabela do imposto de renda;
4) os grandes empresários, com a prorrogação da desoneração da folha dos 17 setores;
5) os micro e pequenos empresários, com a exclusão deles da tributação sobre lucros e dividendos; e
6) a revisão geral ou reajuste dos servidores públicos.
Apoio popular e fontes escassas
Se viabilizadas as fontes de custeio, o Poder Executivo teria condições de não apenas reduzir as resistências desses segmentos ao governo Bolsonaro, como até conseguir adesão de parte desses para a reeleição presidencial, como ficou evidente com o apoio popular que o presidente recebeu no período em que pagou o auxílio emergencial de R$ 600 em 2020.
Acontece que as fontes começaram a minguar: o PL do Imposto de Renda ficou parado no Senado; o PL da CBS sequer saiu da Câmara; e a Reforma Administrativa dificilmente será votada este ano ou mesmo no próximo.
Sobraram a economia com a PEC Emergencial (Emenda à Constituição 109), a PEC dos Precatórios, inventada após o fracasso das outras proposições, como alternativa às outras fontes, além de eventuais interpretações judiciais que retirem grandes despesas do teto de gastos.
Compromissos
Com a inviabilização da cobrança dos lucros e dividendos também caiu 1 dos 6 compromissos, que era a isenção dessa cobrança das micro e pequenas empresas. Restaram 5 prioridades, que o governo buscará atender minimamente.
Com a PEC dos Precatórios, que muda a regra de atualização do teto de gastos (de junho a junho para janeiro a dezembro) e instituiu teto para os precatórios, será possível liberar R$ 90 bilhões no orçamento para gastar com essas prioridades, mas esses recursos são insuficientes para custear todas as demandas.
Por isso, o governo insiste em interpretações nos tribunais (TCU e STF) para excluir determinadas despesas do teto de gastos, como o caso da prorrogação das desonerações, que já vem de outros exercícios financeiros.
Prioridades para reeleição
Das 5 prioridades, caso seja aprovada a PEC dos Precatórios, o governo consegue atender pelo menos 3: Auxílio-Brasil, correção da tabela do Imposto de Renda e desoneração da folha. Para atender às outras 2 — mais verba para investimento em obras e reajuste dos servidores —, o governo necessitaria de outras fontes, do corte de outras despesas ou de interpretação que exclua algumas despesas relevantes do teto de gastos. Não será tarefa fácil, mas como isto é importante para a reeleição, é capaz de a equipe econômica se empenhar para conseguir esses recursos.
Entretanto, se alguém ficar pelo caminho, com certeza não será o pessoal do Centrão, que defende mais recursos para investimentos em obras — leia-se: mais dinheiro para as emendas parlamentares (individuais, de comissões e de relator). Se o governo não conseguir os recursos, o servidor possivelmente será o sacrificado, seja com revisão menor que a inflação do ano anterior, seja simplesmente não ter reajuste nenhum.
Lembremos que o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022 autoriza o reajuste, embora o projeto de Lei Orçamentária para 2022 não preveja o reajuste, assim como também não previa o aumento no Bolsa Família (Auxílio-Brasil), a correção da tabela do Imposto de Renda nem a desoneração da folha, já que o atendimento dessas demandas dependia da aprovação daquelas proposições que ampliavam a margem de gastos do governo. Até o início da votação do Projeto de Lei Orçamentário, o governo terá que encaminhar complemento prevendo o que deseja modificar, inclusive que setores ou segmentos serão atendidos com os recursos que serão liberados pela PEC dos Precatórios.
Possibilidades
Há 3 registros que são importantes nesse contexto de reeleição e servidores públicos.
O primeiro é que para viabilizar a reeleição, os governos costumam esquecer até seus preconceitos para com determinados setores ou segmentos da sociedade, como é o caso do atual governo com os servidores públicos e com os beneficiários do Bolsa Família.
O segundo é que se não for possível agora o reajuste dos servidores, quando existe a janela no teto de gastos, dificilmente o será em 2023, seja porque o novo governo precisa arrumar a casa, seja porque o gatilho previsto na EC (Emenda à Constituição) 109 poderá ser disparado. Nessa EC está previsto que sempre que a relação entre a despesa primária obrigatória e a despesa primária geral chegar a 95%, automaticamente ficam suspensas todas as ampliações de despesa permanente. Como atualmente já está em 93%, em 2023 poderá ter chegado ao limite, impedindo qualquer aumento de despesa permanente, mesmo a título de reajuste ou reposição de qualquer ordem ou natureza.
E o terceiro é que a Reforma da Previdência (EC 103) autorizou (e poderá ser implementada a qualquer momento) a redução do limite de isenção da contribuição dos aposentados e pensionistas do serviço público para o Regime Próprio de teto do INSS (R$ 6.
433,57) para 1 salário mínimo (R$ 1.100), passando a contribuir com no mínimo 14% sobre essa diferença (R$ 5.333,57), além de a possibilidade de instituição de contribuição extraordinária, a ser cobrada de ativos, aposentados e pensionistas, caso a economia resultante da redução do limite de isenção não seja suficiente para equilibrar financeira e atuarialmente o fundo do regime próprio.
Eventual atendimento a esses segmentos, mesmo que merecido — e os servidores estão sem reajuste desde 2019 — é importante dizer, só ocorrerá (se ocorrer) em função da proximidade do período eleitoral.
Em outras circunstâncias, fora de período eleitoral, com certeza, a equipe econômica sequer cogitaria a hipótese de ampliação de gastos, muito menos de reajuste dos salários dos servidores públicos. Vamos aguardar.
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