Partidos de esquerda precisam reciclar – Luís Alberto Alves

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A derrota dos partidos de esquerda nesta eleição precisa servir para reciclagem de propostas. Nos erros existem mecanismos para conquistar a próxima vitória. É preciso humildade e fazer autocrítica. Lamentar não resolverá o problema. É hora de levantar a cabeça e começar a pensar em 2026.

O maior erro que partidos políticos cometem, após chegarem ao poder, é se acomodarem. Esquecerem as origens, as batalhas e os aprendizados que o levaram até o patamar atual. Grandes impérios caíram por causa da preguiça que se instalou depois de diversas conquistas.

Foi assim com Alexandre, o Grande; com os romanos, os persas, os gregos. Foi assim, na área empresarial, com o poderoso Diários Associados, responsável pela criação da primeira emissora de televisão no Brasil, em 1950, e proprietário de imensa rede de jornais, revistas e numerosa emissoras de rádio.

Elite
A Editora Abril é outro exemplo de derrocada após dominar o mercado de publicação de revistas por mais de 50 anos e faliu. Quando chegou ao auge, se acomodou. Ignorou a chegada de novas tecnologias no segmento de comunicação em massa.

O PT, fundado no início da década de 1980, demorou 23 anos para conquistar a Presidência da República. Ralou muito. Foi alvo de chacota, de perseguição da grande mídia, alimentada pelo dinheiro da elite econômica, a mais atrasada do planeta. Permaneceu no comando do Brasil, 16 anos. Primeiro com Lula, reeleito e depois com Dilma Rousseff, sacada da Presidência num golpe de Estado, com aval do Congresso Nacional.

Mas enquanto esteve no comando, de 2003 a 2016, primeiro com Lula e depois com Dilma, o PT abaixou a guarda, mesmo quando teve maioria no Congresso Nacional. Em vez de passar o rolo compressor e aprovar e colocar em prática os seus projetos, ficou como jogador de futebol que dribla muito na área em vez de chutar a bola e marcar o gol. Agora colhe os frutos amargos dessa infantilidade.

Tiro de canhão
Em política não existe amadores, nem muito menos compaixão. É a regra dura da sobrevivência. O grande capital, que financia os seus parlamentares, vai jogar pesado para que nenhum projeto que coloque em risco a sua sobrevivência seja aprovado. Resultado disso é a Reforma Trabalhista de 2017, que foi tiro de canhão contra as conquistas dos trabalhadores. Sempre será assim, no Brasil e em qualquer lugar deste mundo.

A população pobre se preocupa com 3 itens para continuar sobrevivendo: segurança, educação e saúde. O que sair disto é chover no molhado. Na periferia, onde mora o grosso do eleitorado, qualquer pessoa precisa sentir segurança, que não será alvo de assalto, de homicídio quando sair para trabalhar. Deseja que a família esteja segura. O mesmo se aplica à chamada classe média, porque os milionários têm respaldo dos seus leões de chácaras e carros blindados.

A educação de qualidade para que os filhos deste trabalhador possam ter condições de prestar vestibular e conseguir aprovação. Educação significa boas escolas públicas, com professores ganhando salários dignos e condições ideais para o exercício da profissão. Essa educação precisa ser ótima desde a ensino infantil ao superior. É algo que exige alto investimento dos governantes.

Rede
Saúde é algo que jamais poderá ficar de fora. Ninguém consegue trabalhar doente. Nenhuma empresa contrata funcionário que esteja com a saúde debilitada. Não é novidade que a saúde pública está sucateada. O SUS se encontra na UTI e parte do Congresso Nacional, sob bençãos do lobby da rede privada, tenta a todo custo destruí-lo. Por outro lado, país que tenha mão de obra doente nunca será nação evoluída.

Mas infelizmente, os partidos de esquerda, incluindo o próprio PT, caíram na armadilha de viajar na “maionese” discutindo projetos de lei de interesse de minorias, como se os objetivos da minoria devessem passar por cima da maioria. Esqueceu a regra básica da votação de assembleia de trabalhadores, onde prevalece o que a maioria aprovou, após ampla discussão. Todas as propostas devem ser discutidas, mas sem esquecer do macro.

Trabalhador, o grosso do eleitorado, não está interessado em conversa de “bicho grilo”. Ele não quer saber se é errado chamar alguém de homem ou mulher, descasado ou solteiro, favela ou comunidade, desempregado ou sem recurso financeiro. Para ele vai interessar sempre ter dinheiro para não passar fome, saúde e boa escola para os filhos. O que passar disso é papo de intelectual, que encontra solução para tudo enquanto está bebendo na mesa do boteco.

Cabeça
A direita não é burra como insinuam muitas pessoas. Essa não se divide, como ocorre com a esquerda. Tem foco e luta para concretizar os seus objetivos. Percebeu o vácuo deixado pelos partidos de esquerda na periferia e foi para lá “vender o seu peixe” embolorado com imagem de bom. Colocou na cabeça dos jovens que eles poderiam ser empreendedores trabalhando mais de 12 horas por dia entregando comida ou mercadoria comprada pela internet, ganhando migalhas.

Igual água que tanto bate em pedra dura até que fura, esse discurso encontrou eco. Hoje, o Brasil tem milhões de trabalhadores informais que se encaixam neste perfil, desde ciclistas entregadores a motoristas que pegam as suas corridas em aplicativos. Qual proposta a esquerda vendeu para esse exército de trabalhadores?

Hoje o foco mudou. Tudo gira em torno do digital. É nesta praia que a esquerda precisa fazer as suas discussões. Ícones da década de 60, 70 e 80 não são os mesmos dessa nova classe trabalhadora. Eles não gastam o seu suado dinheiro comprando CD, baixam as canções preferidas na internet. Os seus artistas são outros. São jovens que resolveram descrever a dura realidade de onde vivem, com o seu próprio linguajar, às vezes bruto.

Empresa
Para nós, que passamos dos 60 anos, é o meu caso, é preciso abrir a visão e constatar que a realidade atual é diferente dos “anos de chumbo” do regime militar. O discurso é outro. O trabalhador de hoje é imediatista.

Não lê jornal de sindicato, mas se informa pelas redes sociais sobre o que acontece no local onde trabalha, quando tem a sorte de ser contratado por empresa. É rápido. Deseja que os seus questionamentos sejam contemplados de forma imediata. Não vai perder tempo com longas teses, como era rotina no sindicalismo das décadas de 60 até 90.

Hoje, a informação circula rapidamente. É algo instantâneo. É preciso que a esquerda brasileira coloque os pés no chão e perceba que o tempo mudou. Invista em lideranças sintonizadas com o momento atual. Deve arquivar os discursos que estiveram na moda no século passado. Estamos em novos tempos. A roda girou. É preciso abrir os ouvidos e saber o que o trabalhador de hoje quer falar. Não querer ser o dono da verdade. É preciso reciclar. Até o sindicalismo precisa adotar outra postura. Não perder tempo com discussão inútil.

Hoje, caso Lula morra, quem a esquerda tem para colocar no lugar dele?

Nos diversos partidos de esquerda existentes no Brasil, quais são as lideranças que realmente têm condições de discutir em pé de igualdade com os líderes que a direita tem colocado na arena? Na área da comunicação de massa, qual investimento a esquerda faz para se aproximar da periferia? O próprio Mano Brown já está próximo de ser idoso. Atualmente tem 54 anos. Quem o substituirá?

Momento
O tempo não espera ninguém. Nem muito menos tem compaixão. Igual veloz carro de corrida, continua seguindo adiante na sua trajetória. O momento é de sentar e criar estratégias de como virar esse jogo. É momento de “calçar as sandálias da humildade”, deixar de lado o complexo de ser o dono da verdade (ninguém é, porque cada um de nós temos as nossas verdades) e sair da zona de conforto. Ir até a periferia e entender os anseios da população.

Conversar com os jovens e ouvir as suas propostas. As suas ideias, os projetos que têm para o futuro que se aproxima todo o dia, porque o dia de ontem já é passado. Ir aos bailes que eles fazem nas ruas, bater papo com as lideranças musicais que fazem sucesso entre essa parcela da juventude. Se aproximar das mulheres que ganham o pão de cada dia vendendo salgadinhos na porta de casa, na porta do metrô, no ponto de ônibus, no rapaz que rala entregando pizzas durante a noite e mercadorias compradas pela internet durante o dia.

Arquivar os discursos de luta de classe, que fizeram a cabeça de muita gente no século passado, mas hoje não encontram mais eco entre a geração que nasceu depois de 1995. Para esse novo eleitor, o importante é o dia de hoje e o de amanhã. Ele está cansado de ouvir falar do passado. A esquerda precisa deixar de lado a mania de querer ser a dona da verdade. Se este leque não se abrir, vai chegar o dia que nem eleição de síndico a esquerda vai vencer.

Luís Alberto Alves, Jornalista, autor dos livros “O flagelo do desemprego” e “Por que o meio ambiente é tão importante ao trabalhador”. Foi assessor sindical durante 15 anos e trabalhou nos principais jornais de São Paulo.