Sindicalização é ação permanente e parte do trabalho de base e cotidiano de dirigentes e ativistas sindicais. Em artigo anterior sistematizei argumentos que abordam a queda na densidade sindical, usando como base amplo estudo realizado nos países da OCDE2. Neste artigo tratarei da sindicalização entre os jovens.
São permanentes os desafios para a sindicalização em todas as faixas etárias, requerendo inovações nas estratégias que buscam abordar as trabalhadoras e os trabalhadores para participarem de atividades e aderirem voluntariamente ao sindicato, ampliando dessa forma a representatividade, a representação e de cobertura sindical.
A dificuldade para atrair a juventude para a vida sindical é destacada no trabalho de filiação. O estudo da OCDE indica que a composição etária da força de trabalho é uma das causas para a queda na filiação sindical em geral. Os jovens representam 7% do total de sindicalizados na área da OCDE e são os menos propensos a se sindicalizar. O estudo aponta que a taxa de sindicalização por idade segue a forma de ‘U’ invertido, menor entre os mais novos e os mais velhos e maximizada na faixa dos 40 anos.
A adesão pelo trabalhador a 1 sindicato é resultado do desenvolvimento de relações contínuas de presença na base, de descobertas sobre o papel dos sindicatos e de oportunidades de participação. Sindicalizar-se é, em última instância, ato e decisão individual, muito tensionada por pressões contrárias, por estigmas e preconceitos.
Filiar-se é decisão de celebrar vínculo e estabelecer compromisso com sujeito coletivo, algumas vezes recém-descoberto. O trabalho de base que leva à sindicalização apresenta e enaltece os benefícios que a filiação trará, com destaque para os serviços que a entidade oferece. Mas é a capacidade de o sindicato melhorar os salários, ampliar as conquistas econômicas, proteger os direitos trabalhistas, cuidar das condições de trabalho, da saúde e a segurança que dão lastro para o trabalho de sindicalização e para a decisão de se filiar.
São os trabalhadores em movimento, por meio das lutas e posicionamentos relacionados aos fatos do cotidiano presentes no chão das empresas, que empoderam o sindicato e o levam a ser esse sujeito coletivo observado, testado, acompanhado e atraente. Nos movimentos e processos de mobilização, o sindicato se apresenta como possibilidade de descoberta e de vínculo. Tempo, continuidade, perseverança e atenção são atributos do bom trabalho de sindicalização.
A maior dificuldade para filiar jovens sempre esteve associada ao menor tempo de vida laboral de quem inicia sua trajetória profissional e, portanto, para avaliar os benefícios da filiação sindical e da proteção coletiva. Os direitos trabalhistas e sociais muitas vezes aparecem naturalizados como dado do mundo do trabalho, sem história e sem luta. Descobrir como e de onde surgiram os direitos leva tempo, exige acesso à informação e é parte constitutiva do trabalho de base e de formação sindical.
Entretanto, não se deve menosprezar alguns dos motivos que têm levado à baixa sindicalização entre os jovens e, muito menos, deixar de observar que ocorre queda na sindicalização. Compreender esses motivos ajuda a formular as estratégias de atração dos jovens para o sindicalismo.
A atuação antissindical de parte do empresariado é grave obstáculo, com ameaças aos trabalhadores e iniciativas para impedir o acesso dos sindicatos aos locais de trabalho.
A desindustrialização e o encolhimento do setor manufatureiro, a expansão de ocupações no setor de serviços e a queda do emprego no setor público, a disseminação de formas flexíveis de contratos, a crescente precarização, a informalidade e a rotatividade constituem o duro contexto no qual as jovens e os jovens iniciam a vida laboral e formam contexto situacional adverso para a atividade sindical.
As desigualdades nas condições gerais de trabalho entre os jovens e parte da classe trabalhadora madura é muitas vezes abissal, distâncias que precisam ser superadas na política sindical para articular novas pautas, lutas e negociações.
Há mudança importante na relação entre gerações. As gerações maduras estão “entregando”, para filhas, filhos, netas e netos que chegam para a vida profissional, 1 mundo do trabalho muito ruim, com salários menores, postos precários, inseguros, trajetória protetiva socialmente desvalorizada, 1 presente sem futuro, 1 vir a ser sem esperança. Estamos em dívida com as gerações dos jovens.
Destaca-se no estudo da OCDE, a manifestação entre os jovens de ultra individualismo, de maior distanciamento dos jovens no envolvimento com 1 empresa e, aparentemente de forma contraditória, de estarem disponíveis para ações coletivas, mas se destacando a opinião de que os sindicatos são pouco atraentes ou mesmo antiquados. Nesse solo, o trabalho sindical tem que semear.
Mas há dicas muito interessantes no estudo da OCDE como, por exemplo, quando compara os jovens (20 a 34 aos) com a faixa etária de 35 a 54 anos. Os jovens, em relação aos mais velhos, valorizam mais a liberdade individual, são mais apegados à solidariedade, apoiam mais ações coletivas como manifestações ou iniciativas para arrecadar fundos para causas sociais ou políticas. Têm participação semelhante aos seus pares mais velhos em organizações ambientais ou de consumidores.
A pesquisa constata que a confiança nos sindicatos é maior entre os trabalhadores mais jovens em 23 dos 32 países analisados. Destaca-se a demanda frustrada dos jovens por sindicalização e a percepção mais aguçada sobre a indispensabilidade dos sindicatos na proteção dos direitos dos trabalhadores. São elementos essenciais para abordagem crítica e criativa para o trabalho de sindicalização.
Interessante observar, porém, que também aparece de forma destacada nos estudos analisados a constatação de que os trabalhadores jovens parecem menos convencidos de que precisam de sindicatos fortes para proteger seus interesses. A relação entre confiança e convencimento é elemento fértil para o desenvolvimento do trabalho de base visando à sindicalização.
O sindicato é antiquado? Está parado no tempo? Mantem-se longe do mundo real precário e inseguro? Atua com linguagem que não comunica? Gerar respostas críticas e qualificada à estas questões podem iluminar a elaboração de inovações para o trabalho de sindicalização e de formulação de estratégias consistentes para o futuro do sindicalismo.
As inovações tecnológicas e a inteligência artificial já estão lançando ingredientes explosivos nesse duro e bruto mundo do trabalho e serão os jovens trabalhadores que terão a tarefa de enfrentá-las, pois essas tecnologias já fazem parte do presente e estão formatando o futuro. Fazer da tecnologia aliada do trabalho e da vida é uma luta de hoje e de sempre.
Colocar no tempo presente o futuro almejado como construção social e histórica, e encantar o duro cotidiano com a esperança de utopias que somos capazes de construir coletivamente, são desafios a serem superados como tarefa daqueles que querem 1 sindicalismo renovado, dinâmico e de luta, com forte presença das trabalhadoras e dos trabalhadores jovens.
Clemente Ganz Lúcio, é sociólogo e professor universitário. Foi diretor técnico do Dieese e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
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Artigo publicado no site radiopeaobrasil