As profecias, humanas, quase sempre não se cumprem. Por isso, o risco de erro é sempre alto. De todo modo, é desejo humano tentar imaginar como será o futuro. Quem nos relembra disso é o ex-ministro do Trabalho, o advogado Almir Pazzianotto, ao resgatar “O Brasil no Terceiro Milênio – O Livro da Profecia”, de 1996. Ele rememora suas considerações e anota que Delfim Netto, de inteligência aguda, não se saiu bem no papel de Pitonisa. Vale ler. É memória e história.
O Livro da Profecia
Almir Pazzianotto Pinto
Em 1996 o presidente José Sarney, no exercício da presidência do Senado Federal, pediu-me breve contribuição para o livro O Brasil no Terceiro Milênio – O Livro da Profecia. Não sendo embora adivinhador ou profeta, aceitei o estimulante convite. O título dizia tudo sobre os objetivos do ilustre senador: seria uma espécie de exercício de futurologia sobre os destinos do País.
A edição ficou sob a responsabilidade dos jornalistas Joaquim Campelo Marques, Rosana Bitar e Pedro Braga dos Santos. São 72 textos distribuídos por 970 páginas, redigidos por personalidades que oscilam de Miguel Reale a João Amazonas; de Lúcio Costa a Fernando Gabeira; de Marina Silva a Joãosinho Trinta; de Darcy Ribeiro a Chico Anísio. Participei com o artigo Brasil Século XXI.
José Sarney fez a apresentação: “O livro será eterno. Este livro aspira a ser um repositório das ideias dos brasileiros sobre o século XXI. Matéria para profecia e reflexão. Como dizia T.S. Eliot, o tempo presente contém o tempo passado e o tempo futuro. Foi com esse barro que o homem inventou os séculos”.
Da minha parte, com a experiência adquirida em décadas de atividades como advogado, político e juiz, procurei esboçar o cenário dos próximos 50 anos. Critiquei o clima de belicosidade entre empregadores e empregados; apresentei estatísticas relativas aos conflitos individuais e coletivos submetidos à Justiça do Trabalho; dei ênfase à necessidade da modernização da Consolidação das Leis do Trabalho, alertei para os efeitos destruidores da informatização e da robotização no mercado de trabalho.
Decorridos vinte anos a situação econômica, industrial e social piorou. Enquanto outros países avançaram com velocidade espantosa, o Brasil estacionou. O governo do presidente Jair Bolsonaro aponta, como dados positivos, o equilíbrio das finanças públicas, ter zerado a inflação e reduzido a taxa oficial de juros ao patamar mais baixo dos últimos 50 anos. Como indicadores da questão social, entretanto, o empobrecimento aumentou e o desemprego subiu.
Em 1990, início do governo Collor, a inflação chegou a 80,32%. Segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas, o índice de desemprego era de 6,5%. Nos melhores momentos do Plano Cruzado havia baixado a 3,5%. Faltava mão de obra e os salários reais aumentavam. Desde 1991, todavia, o número de desempregados se mantém em alta. Chegou a 10,2% em 1997, atingiu 12% em 2003 e, após breve refluxo, entre 2011 e 2014, voltou a se acelerar até alcançar 14% em 2017. Hoje, segundo os últimos levantamentos, o desemprego é de 12,2%, com 5 milhões de desalentados, expressão cujo significado é o de pessoas que, após demorada procura inútil, desistiram de obter recolocação. Nos primeiros meses do ano desapareceram 1,5 milhão de empregos. A pandemia matou, desempregou, apavorou, empobreceu.
A tímida recuperação econômica, registrada no governo Michel Temer, não surtiu efeitos para os trabalhadores. Esperava-se mais do governo do presidente Jair Bolsonaro. O empresariado paulista, responsável pela maior parcela do Produto Interno Bruto, depositou todas as esperanças no ministro da Economia, Paulo Guedes. É necessário lembrar, porém, que S. Exa. é homem do mercado de capitais. Não se trata de alguém notabilizado por experiência adquirida no interior do sistema produtivo.
A pandemia do Covid-19 nos escancarou as deficiências. Revelou, sem piedade, a imensa pobreza. A crise política assume proporções assustadoras. A economia nunca esteve tão mal. O último relatório do Banco Mundial, divulgado no início de junho, aponta o Brasil como quinto colocado entre os piores países emergentes, eufemismo usado para subdesenvolvidos. Na América Latina estamos à frente do Peru, mas abaixo da Nicarágua, da Jamaica, do Haiti. Entre os emergentes, a dívida bruta do Brasil só é inferior à de Angola.
Reler o livro editado pelo presidente José Sarney é revelador sobre o passado. Ninguém, porém, se mostrou profeta capaz de lançar facho de luz para futuro. O professor Antonio Delfim Netto, raro exemplo de alguém que conseguiu combinar erudição com longa militância política, escreveu: “A nossa ‘profecia’ se resume, portanto, no seguinte: seremos no século 21 o que a nossa ação – conduzida pelos conhecimentos que acumulamos sobre a natureza do processo de desenvolvimento – nos levar a ser”. “É por isso que minha profecia, com relação ao Brasil é otimista”. Fatos concretos revelam como se enganou.
Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de “O Futuro do Trabalho”. “O Correio Braziliense”, 18/6/2020, Opinião, pág. 17.