Mais segurança ao trabalhador – João C. Juruna e Álvaro Egea

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Estamos chegando à metade deste governo. Há sinais positivos na economia. O movimento sindical, entretanto, ainda vive a crise iniciada no governo de Michel Temer (MDB).

Isso é preocupante para o futuro do País e dos trabalhadores, pois aponta para enfraquecimento contínuo da estrutura e, consequentemente, da prática sindical.

Futuro sem sindicatos é como filme distópico, no qual o mercado, como grande ditador, controla o trabalho, o tempo e a concentração da renda.

Filme em que o ditador mercado controla, enfim, a vida do povo.

Lula não demonstra vontade política para criar articulação
Por isso, é erro grave não dar a devida atenção ao movimento sindical. E, infelizmente, é o que está acontecendo. Há mal-estar no ar.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demonstra pouca disposição em abraçar essa causa. Claro que ele não poderia resolver sozinho. Existe o Parlamento, com maioria de direita e, assim como a Reforma Trabalhista de 2017 foi aprovada no Congresso Nacional, sua revisão também deve passar pelas casas legislativas.

Mas o governo, que faz sucessivas concessões ao capital financeiro, ao agronegócio e aos grandes grupos econômicos, não mostra a mesma disposição de articulação para o lado dos trabalhadores. A revogação dos marcos regressivos das reformas trabalhista e previdenciária, reivindicada no Conclat de 2022, não avança.

Era comum, em seus governos anteriores, o presidente se reunir e ouvir os sindicalistas. Dilma Rousseff também recebeu os sindicalistas mais de 1 vez. Agora, no atual governo, justamente quando mais precisam, o presidente delega a tarefa a ministros que, muitas vezes, se mostram evasivos ou priorizam assuntos laterais ao invés de tratar do que é urgente, que é a manutenção da estrutura e do movimento sindical.

Além disso, o governo emite constantes sinais de que somente 1 partido político, 1 central sindical e 1 movimento social são dignos de serem recebidos, vistos e ouvidos pelo presidente Lula. O governo se enfraquece quando se isola do movimento sindical.

Existem outros sintomas do afastamento de Lula da pauta sindical.

Neste ano Lula desistiu de falar com o povo no tradicional pronunciamento do 1º de Maio e, de forma incomum, passou a tarefa ao ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

Desde Getúlio Vargas, o discurso do presidente neste dia é algo grandioso. Foi no dia 1º de Maio de 1943 que Vargas anunciou a Consolidação das Leis Trabalhistas e no 1º de Maio de 1954 ele anunciou o aumento de 100% do salário mínimo. Em 2024, não houve discurso presidencial.

O fato de o presidente ter transferido o discurso ao ministro é sinal de que neste governo o trabalhador não é assunto do presidente, mas de pasta específica, dentre tantas outras. E hoje, em meio a tantos retrocessos, seria importante assumir a centralidade e a universalidade do trabalhador na política nacional.

Em sua fala, o ministro Luiz Marinho valorizou, com razão, o aumento do salário mínimo e a geração de empregos com carteira assinada. Por outro lado, deu grande destaque para o empreendedorismo e não falou em sindicatos ou em organização política dos trabalhadores.

Já o presidente Lula, no ato organizado pelas centrais sindicais, na Neo Química Arena, embora também tenha ressaltado a valorização do mínimo, a geração de emprego e o investimento na indústria, foi mais enfático que seu ministro ao ressaltar os “autônomos” e empresários de todos os níveis. “Quem quiser ter um negócio vai ter apoio do governo”, disse.

Vale ressaltar que a tecnologia pode ter dado nova roupagem para as relações de trabalho. Mas a contradição com o capital permanece a mesma. E, em país onde a educação ainda é precária, o empreendedorismo, salvo elite de empresários bem-sucedidos, segue o mesmo nível da qualificação do povo trabalhador.

É seguro afirmar que boa parte do povo que se torna “empreendedor” o faz por falta de espaço no mercado formal. E, mesmo nestas condições, muitas das pequenas empresas geradas necessitam de trabalhadores, que precisam de direitos.

Crise no movimento sindical é externa
Da parte dos sindicatos, mesmo feridos de morte, tudo o que está ao alcance tem sido feito: trabalho cotidiano, assembleias, convenções, encontros, ações políticas etc. Temos nos atualizado, usado a tecnologia, participado dos debates, recebido e ouvido as demandas dos trabalhadores.

Então, mesmo que existam problemas, como em qualquer organização, a raiz da crise no movimento sindical não é interna. É política e cultural.

O que intriga é pensar qual é a perspectiva de desenvolvimento para o País no longo prazo sem sindicatos fortes.

É preciso promover políticas de desenvolvimento sólidas e duradouras e valorizar os trabalhadores, com salário e direitos trabalhistas, inseridos neste processo.

Garantir benefícios aos trabalhadores
Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, dia 24 de setembro de 2024, Lula disse que seu objetivo mais urgente é acabar com a fome, “como fizemos em 2014”. Mas as benesses conquistadas naquele ano foram liquidadas em nome do ajuste fiscal na transição dos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer. O desemprego baixo de 2014, saltou a partir de 2016, chegando a bater os 20% nos anos seguinte, e isso disseminou a pobreza e a indigência pelo País.

Quando mudar o governo, nada garante que a política econômica responsável pelo desemprego baixo, valorização do salário mínimo, alta do consumo das famílias e aquecimento do comércio, permaneça.

Não precisa ir muito longe para ver analistas econômicos da grande imprensa ressentidos com o atual modelo que privilegia investimentos sociais em detrimento dos “humores” do mercado.

É preciso considerar que, desde as Capitanias Hereditárias, o tipo de pensamento que repudia a valorização do salário mínimo e deseja a manutenção de exército de desempregados está sempre à espreita.

Desta forma, além de trabalhar por bons índices econômicos, como está fazendo, o governo precisa criar meios para que os benefícios dos trabalhadores e dos mais pobres, como emprego, salário, saúde e segurança, sejam assegurados para além dos 4 anos de gestão.

Manter e fortalecer os acordos salariais e as convenções coletivas dos sindicatos é forma de fazer isso.

Todavia, hoje, enquanto os sindicatos vêm seu papel de representação e negociação diminuídos, os trabalhadores sofrem com a crescente precarização do trabalho.

Papel do Estado
No artigo “Sete anos depois, reforma trabalhista é reconhecida como precarizante”, publicado no site Consultor Jurídico, em 27/09/2024, o procurador regional do Trabalho aposentado, Raimundo Simão de Melo, afirma que:

“A reforma trabalhista de 2017 não beneficiou os trabalhadores, mas os empregadores, como se reconhece depois de 7 anos”.

Ele cita pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV-Ibre), que concluiu que a maioria das vagas criadas desde a Reforma Trabalhista foram precárias: “Entre julho de 2017 e junho deste ano, os autônomos passaram de 21,7 milhões para 25,4 milhões, crescimento de 17%”.

O procurador também disserta sobre o problema do enfraquecimento dos sindicatos:

“As empresas se beneficiaram porque ao enfraquecer sindicatos, limitar o acesso à Justiça e permitir que os empregadores negociem sem os sindicatos, a reforma desequilibrou as forças e aprofundou a desorganização do mercado de trabalho”.

E aponta diversos exemplos de medidas precarizantes da reforma:

1) negociado sobre o legislado; 2) trabalho de grávidas e lactantes em ambientes insalubres; 3) redução do intervalo para refeição e descanso; 4) jornadas de 12 horas seguidas por 36 horas de descanso; 5) prestação de serviços a terceiros e o teletrabalho; 6) higienização dos uniformes de trabalho; e 7) extinção da contribuição sindical sem qualquer outra forma de substituição do custeio das atividades sindicais”.

Acrescentamos a esta seleção, o fim das homologações nos sindicatos.

A advogada Elisa Alonso, que foi vice-presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-DF, no artigo “Reforma Trabalhista e o impacto nos processos jurídicos”, publicado no Valor Econômico, em 7/10/24, também chama a atenção para a precarização do trabalho gerada pela Reforma Trabalhista e destaca o prejuízo que a redução da representação sindical acarreta para os trabalhadores:

“É importante destacar que a redução ou estagnação [do número de ações trabalhistas] também poderia mascarar uma realidade de trabalhadores que, diante da hipossuficiência, receio de consequências advindas da ação judicial ou até mesmo pela falta de representação sindical, optam por não recorrer ao Judiciário na busca de seus direitos, o que representaria uma perda de direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas”.

Desde o governo de Michel Temer, vivemos não apenas período de desmonte dos direitos trabalhistas, mas também processo de desconfiguração do protagonismo da classe trabalhadora. Processo perverso, vez que se dá em país que ainda sofre com a baixa escolaridade, com educação precária, com a disseminação de doenças típicas de regiões pobres, e com a influência cada vez maior de política de mercado.

É papel deste governo fazer esforço para reverter os graves retrocessos vividos nos governos de Temer e Bolsonaro (PL) e dar mais segurança aos trabalhadores. Caso contrário, o futuro será de desequilíbrio ainda maior entre ricos e pobres.

É urgente fomentar a criação de bons empregos, por meio dos quais o povo e o País possam alcançar patamares melhores de desenvolvimento. Empregos com CLT e que permitam vínculo dos trabalhadores com seus sindicatos.

Além das reivindicações próprias de cada categoria, o movimento sindical também luta por desenvolvimento econômico, democracia, soberania e valorização do trabalho. É, desta forma, meio de assegurar equilíbrio social e contrapeso ao capitalismo selvagem independentemente dos governos.

O governo Lula, eleito com apoio maciço do movimento sindical, precisa honrar seus compromissos e reverter a atual política de fragilização dos direitos trabalhistas e sindicais.

João Carlos Juruna, Secretário-geral da Força Sindical e
Álvaro Egea, Secretário-geral da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros).