O terceiro mandato do presidente Lula contabilizou vitórias importantes no Congresso Nacional, mas precisou fazer conceções à base de apoio, na Câmara e no Senado, a fim de garantir que pautas relacionadas à área econômica pudessem ser aprovadas nas 2 Casas do Poder Legislativo.
Diferentemente dos mandatos anteriores — os chamados de Lula 1 e 2 —, o Congresso adquiriu mais autonomia e independência, e tem oposição mais robusta. Isto exige de Lula mais jogo de cintura e capacidade de articulação política para negociar e aprovar proposições tanto na Câmara quanto no Senado.
Apesar de contar com base de apoio, com mais de 300 deputados, e cerca de 40 senadores, incluindo aqueles parlamentares que compõem legendas que ocupam cargos na Esplanada, o Poder Executivo tem se rendido às pressões do Legislativo para evitar as chamadas “pautas bombas” e também garantir a aprovação de políticas públicas que fazem parte da agenda do governo.
Os partidos que compõem a base de apoio ao governo, com cargos no primeiro, segundo e terceiro escalões não entregam a totalidade dos votos das respectivas bancadas. Essa infidelidade está relacionada com as características do novo Congresso, com mais autonomia em relação ao Orçamento federal.
Matérias de caráter econômico apresentam maior aderência dos parlamentares que se sentem mais confortáveis em votar sob a orientação do Planalto. Sem com que isso possa ter efeito negativo na chamada base eleitoral dos congressistas. Como se pode verificar no gráfico abaixo.
Vale ressaltar que, entre o levantamento de pautas econômicas, estão as votações da Reforma Tributária, Novo Arcabouço Fiscal e algumas medidas provisórias que versam sobre assuntos de cunho econômico e fiscal.
Pauta ideológica
Os chamados temas de costumes/ideológicos têm produzido grande divergência nas votações no Congresso Nacional. Como, por exemplo, a votação PL 490/07, marco temporal das terras indígenas, que obteve 282 votos a favor e 155 contrários. O governo foi derrotado 2 vezes, na votação do projeto no Congresso, e, posteriormente, na derrubada do veto.
O tema não era prioritário do Executivo, mas era de alguns setores que apoiam o Planalto, o que exigiu cautela nas decisões. E, apesar da orientação do governo, a oposição conseguiu ter amplo êxito, tanto para aprovar, quanto derrubar o veto no Congresso.
O gráfico abaixo mostra que em votações de temas de costumes e/ou ideológicos, o governo não consegue maioria.
Pautas transversais
Entre as pautas transversais, estão proposições que tratam sobre relações trabalhistas e meio ambiente, entre outras que são secundárias para o governo, no contexto atual, cuja pressão de movimentos sociais e sindicais, não alcançam a maioria parlamentar, e assim não se viabilizam, nem na Câmara nem tampouco no Senado.
Nesse contexto, o governo tem trabalhado as votações no Congresso pontualmente com as legendas, para garantir vitórias e evitar desgastes desnecessários, paralelamente aos temas, e de acordo com importância no cenário político.
Assim, o Executivo negocia liberação de emendas parlamentares e faz concessões nos textos em análises.
Tendência
Há nova configuração política nos legislativos em vários países da América Latina, em que colocam os executivos do subcontinente em condições de “reféns” dos legislativos. Ou seja, os eleitores não convergem os votos em relação ao candidato a presidente, com a sustentação política nos parlamentos. Isto é, não fazem essa relação, que poderia proporcionais mais estabilidade política.
Com isso, criam ambiente de disputa desvantajosa e constante entre os atores políticos de oposição e os executivos, cuja base de apoio tem dificuldades de, por si só, sustentar o governo no parlamento.
Essa situação exige grande capacidade articulação dos operadores políticos do Poder Executivo, que necessitam ampliar a base para dar prosseguimento ao plano de governo e evitar possível ingovernabilidade.
De um lado, a governabilidade pode ser definida como as condições de legitimidade de determinado governo para empreender as transformações necessárias, ou referendas no pleito. De outro, tem a governança, que está relacionada à capacidade de implementação das mudanças, nos aspectos técnicos, financeiros e gerenciais.
No Brasil não é diferente. O atual governo teve que fazer concessões importantes para aprovar proposições e buscar manter a coesão da base inconsistente, que direciona as votações para temas específicos, sob negociação ponto a ponto, de um lado.
Por outro, exige também coesão mínima dos presidentes dos legislativos, no caso brasileiro, Câmara e Senado, a fim de evitar a apreciação de “pautas bombas”, que possam fragilizar a governança, a base e também produzir surpresas desagradáveis nos ajustes econômicos, que atualmente são o foco prioritário do governo.
Base inconsistente
No caso brasileiro, os exemplos são frequentes. No primeiro semestre, o governo editou portaria que tratava do Marco do Saneamento, norma que foi derrubada em votação na Câmara dos Deputados. Foram 295 votos contra 136. Tratou-se de recado importante que fez com que o governo acendesse a luz amarela.
No segundo semestre, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, editou portaria sobre a possibilidade de negociação coletiva para trabalhadores do comércio aos feriados. Foi apresentado PDL (Projeto de Decreto Legislativo) para sustar a iniciativa, o que também contou com apoio expressivo dos deputados da base para derrubar a norma.
Foram 301 votos contra 131 para aprovar a urgência de votação do PDL. O ministro, diante da possibilidade de derrota, resolveu adiar a vigência da portaria, para ter mais tempo para negociar e dialogar com os setores econômicos afetados.
Pautas do governo
O governo conseguiu avançar em algumas de suas propostas, como por exemplo, a retomada de programas sociais, entre esses, o novo Bolsa Família, Lei 14.601/23; Minha Casa Minha Vida, Lei 14.620/23; Mais Médicos, Lei 14.621/23; e o novo Programa de Aquisição de Alimentos, Lei 14.628/23.
Entre outros pontos aprovados, mais temas relacionados à agenda econômica também chamaram a atenção, como o novo arcabouço fiscal, Lei Complementar 200/23; Marco das Garantias, Lei 14.711/23; voto de qualidade no Carf, Lei 14.689/23; Desenrola Brasil, Lei 14.690/23. E, ainda, a taxação dos jogos e a Reforma Tributária, promulgada como EC (Emenda à Constituição) 132/23.
Governo ‘refém’ do Congresso
Apesar da aparente vitória do governo nesse primeiro ano de gestão, o que ficou claro é a predominância política do Congresso Nacional, que usa das atribuições legais para exigir do governo atitude que possa atender aos anseios dos senadores e deputados, que estão em partidos que votam com o governo depois de negociar interesses que lhes trazem vantagens.
Diferentemente dos mandatos anteriores, o governo Lula 3 é “refém” do Congresso, que cada vez mais amplia poderes e atribuições, que antes não tinha.
O ano que começa continua desafiador. As eleições municipais deste 2024 movimentarão o tabuleiro político e podem explicitar as tendências para o pleito geral em 2026. A depender do desempenho dos partidos, a manutenção da base e a garantia de apoios no Congresso será mais uma incógnita no emaranhado de legendas representadas no Legislativo federal.
André Santos, Jornalista, publicitário, especialista em Política e Representação Parlamentar, sócio diretor da Contatos Assessoria Política e analista político do Diap.