O que aprender com o Brasil Paralelo? – Luis Felipe Miguel

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Não há dúvida de que a Brasil Paralelo é aquilo que os anglófilos gostam de chamar de “case de sucesso”. Com penetração enorme e base invejável de usuários, a produtora de vídeos de extrema-direita se tornou a referência cultural de muitos brasileiros.

O sucesso do Brasil Paralelo tem muitas causas. A mais visível é também a mais fácil de entender: grana. A produtora tem dinheiro para maquiar seus documentários toscos como superproduções, adquirir conteúdo estrangeiro de suas similares extremistas de outros países, promover eventos com as “celebridades” que essa mesma inventou e, sobretudo, fazer publicidade.

A Brasil Paralelo é, disparada, a maior impulsionadora de conteúdo político nas plataformas sociodigitais. Gasta mais que o dobro do segundo colocado neste ranking — o governo federal.

O dinheiro que abunda para a direita sempre falta para a esquerda. Essa é realidade, com a qual temos que conviver. Na verdade, essa assimetria pode ser considerada mesmo como constitutiva da diferença entre direita e esquerda.

Mas há outros elementos que contribuem para o sucesso da Brasil Paralelo e que deveriam chamar a atenção da esquerda, se pretendemos dar 1 passo adiante na batalha cultural que estamos enfrentando.

O primeiro elemento é o investimento no conteúdo formativo. Sim, a Brasil Paralelo intervém nos debates “quentes” do momento — 1 exemplo atual é seu esforço para livrar a cara do PL da Gravidez Infantil — e tem perfil subsidiário para a apresentação de notícias.

Mas, sobretudo, a Brasil Paralelo se apresenta como canal educativo, em grande medida para o ensino da história. Tanto que seu perfil “jornalístico” mal tem 5% dos seguidores de sua página principal.

Seu sucesso mostra que existe público ávido por esse material que seria “educativo”. Entre a esquerda, porém, o esforço é o mais das vezes voltado à pauta do momento, com conteúdo jornalístico e opinativo. Há algum trabalho formativo, mas em geral no formato de cursos on-line — o ICL serve de exemplo — ou de laives pessoais — isto é, formato mais engessado, acadêmico, pouco atraente.

A Brasil Paralelo está fazendo mais do que lacrar no debate do momento. Está formando — “deformando” seria mais exato — grande contingente de pessoas, com visão de mundo reacionária e excludente.

O segundo elemento do sucesso é a pretensão de imparcialidade. No seu material promocional, a Brasil Paralelo diz que fornece conteúdo aprofundado “sem viés ideológico” — o que seria de morrer de rir, se não tivéssemos tantos motivos para chorar.

Claro que aquilo que oferece a seu público é pura ideologia. Mas a produtora sabe que as pessoas não querem consumir propaganda. Quando assistem a documentário, querem ter pelo menos a ilusão de que estão vendo abordagem que leva em conta as diferentes facetas do problema.

Vale até chamar o golpe de 1964 de “golpe” e a ditadura de “ditadura”, para vender o documentário que, claro, limpa a cara dos golpistas e dos gorilas.

Para manter essa fachada de parcialidade, a Brasil paralelo se vende como plataforma de streaming para o mercado e com ânimo de lucro. Novamente, é contrafação. Ela vive de megapromoções com 90% de desconto na assinatura, muitos meses grátis, coisas do gênero: nunca seria capaz de se manter sem seus ricos patrocinadores. Mas essa ficção ajuda a construir a ideia de que não se trata de propaganda.

Com isso, atinge público que deseja conhecer melhor determinados temas — a história do Brasil e do mundo, em primeiro lugar — e que acha que está recebendo informação de qualidade, quando na verdade recebe ideologia barata e mistificação.

Nós não temos o dinheiro, mas temos com o material humano. É necessário disposição para fazer o trabalho de formação política, disputar a narrativa histórica, buscar ir além do noticiário do dia. As plataformas progressistas precisam pensar nisso.

(*) Professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).