O tempo é o nome do ser, dizia Heidegger. Por isso sua obra maior pode ser lida como Tempo é Ser. Quando nos perguntamos sobre a realidade, talvez estejamos nos perguntando sobre a real-idade da coisa. Ou de nós mesmos. O tempo lanha. Conspira.
Vejamos dados objetivos — até porque sou daqueles que não concorda com Nietzsche de que “fatos não há; só há interpretações”. Para mim, só existem interpretações porque há fatos. Assim, há 8 meses Moro estava “mortinho”, como diziam. Sua cassação era dada como certa. Passado o tempo, Moro foi absolvido por unanimidade.
E pelo Tribunal Superior Eleitoral. Vejam o tempo pregando peças, costurando. O tempo perfeitamente alinhado com os arranjos políticos-institucionais brasileiros, País que mistura “perfeitamente” as interpretações marxistas e weberianas.
O mesmo se aplica à prisão de Bolsonaro (e quem sabe aos processos contra ele). Há 8 ou 9 meses, Bolsonaro estava prestes a ser preso. Passado o tempo, isso hoje é impossível, a menos que ocorra alguma patacoada. É o tempo andando de mãos dadas com essa “perfeita” simbiose entre “teoria da dependência e ‘os donos do poder faoriana’”.
Outro dado objetivo: a delação de Mauro Cid, que já chamei de Delação Sherazade. Mil e uma noites. Não acaba nunca. E o tempo vai passando. E conspirando.
O Sistema de Justiça brasileiro tem sobre seus ombros não apenas os casos (tentativa de golpe do 8 de janeiro, cartão de vacinas, conspiração dos ministros militares — e civis —, caso das joias, Abin Paralela etc.), mas tem de lutar também contra o tempo.
É esse tempo que pode naturalizar não apenas conjunto de crimes e até, arrepiemo-nos, tentativa de golpe, como também, quem sabe, anistia para os golpistas daqui a alguns meses.
Não, não se assustem. E para os céticos, pensem no que escrevi acima. Há alguns meses era uma coisa; meses depois, bem outra. O fato não mudou; mudaram foram as circunstâncias, chefiadas por Chronos — o Deus do Tempo.
O Brasil, por suas raízes (quais são, mesmo?) — no meu livro O que é Fazer a Coisa certa dedico capítulo para tentar explicar esse ornitorrinco conceitual — não consegue se livrar do passado que o oprime. Aqui no Rio Grande do Sul tem a Igreja Positivista, cujo lema está na bandeira nacional.
E tem frase positivista muito forte que diz “cada vez mais os vivos serão governados pelos mortos”. Pois é. Basta ver o espectro militar que ronda sobre o País. Até o presidente Lula não quis que se fizesse críticas ao golpe de 64. Os mortos não são fáceis, mesmo.
Lembram da camiseta que Collor (vejam o passado) usava? Estava escrito O Tempo é o Senhor da Razão.
Pode ser. E eu estou virando cronofóbico…!
Lenio Luiz Streck, Jurista, professor universitário e autor. Publicado originalmente no RED (Rede Estação Democracia).