A EC (Emenda à Constituição) 126/22, aprovada pelo Congresso Nacional, durante a transição do governo Bolsonaro para o de Lula, promoveu 5 mudanças importantes, que permitem, agora, fazer o debate sobre a reconstrução do Orçamento Público do Estado brasileiro.
A primeira mudança foi a revogação dos artigos 106, 107, 110, 111, 112 e 114, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, relativos ao Novo Regime Fiscal, introduzidos pelas EC 95/16, do governo Michel Temer (MDB), e EC 109/21, do governo Bolsonaro (PL), após a sanção da lei complementar que instituiu novo “regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país.”
Com essa futura lei, que já tramita na forma do PLP (Projeto de Lei Complementar) 93, de 2023, estará afastado o teto de gastos que limita as despesas da União e prevê apenas a correção anual pela inflação acumulada conforme o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Durante a vigência da EC 95/16, foram feitas 5 alterações para ampliar o limite gastos, de caráter temporário, que contribuíram para o desfinanciamento de políticas públicas permanentes, em especial, aquelas destinadas aos mais pobres, e na desorganização do Estado como legado.
A segunda mudança constituiu em revogar as travas criadas a partir dos “gatilhos fiscais” (art. 109 do ADCT) definidos pela EC 109/21. O gatilho permitia suspender qualquer realização de reajuste aos servidores, de concursos públicos, dentre outros, sempre que a relação entre despesa primária obrigatória e despesa primária total, atingir 95%. A proposta original permitia até o corte de salários no funcionalismo.
A terceira mudança, ao permitir despesas no exercício financeiro vigente fora do teto gastos para projetos socioambientais e de mudanças climáticas, das instituições federais de ensino e das ICT (instituições científicas, tecnológicas e de inovação) e à execução direta de obras e serviços de engenharia.
A quarta mudança para estabelecer que os gastos com Saúde e Educação deixam de ser corrigidos pelo IPCA (como tem sido desde 2017, seguindo à EC 95/16) e voltam a ser vinculados às receitas (15% da Receita Corrente Líquida no caso da Saúde, e 18% da Receita Líquida de impostos, no caso da Educação) — a mudança na vinculação feita pela EC 95/16 estava na parte “transitória” da Constituição.
A correção das emendas parlamentares individuais também volta a ser vinculadas à RCL, ampliadas de 1,2% para 2% da RCL (no âmbito do acordo feito para dividir, entre Executivo e Congresso, os recursos que no Ploa 2023 estavam alocados para as emendas de relator, vulgo “orçamento secreto”).
A quinta e última mudança, ao revogar as regras acima citadas relativas ao teto de gastos, desconstitucionalizar as regras fiscais ao prever o encaminhamento ao Congresso Nacional, até 31 de agosto de 2023, de projeto de lei complementar com o objetivo de instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico.
Cumprindo essa determinação, o governo encaminhou ao Congresso, no mês de maio, o PLP 93/23, que institui o novo regime fiscal sustentável com a finalidade de corrigir as distorções das regras anteriores, que impactaram o Orçamento Público, ao estabelecer como alternativa:
1) Previsibilidade das contas públicas – estabelece a previsão de piso e teto para o crescimento da despesa primária, com intervalos entre 0,6% e 2,5% do PIB ao ano;
2) Vinculação a meta de resultado primário – tem como promessa de zerar déficit primário em 2024, com superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026; e o piso de investimentos do governo de R$ 70 bilhões, corrigido pelo IPCA;
3) Aumento do limite de despesa conforme aumento da arrecadação – o governo prevê que o limite de crescimento da despesa primária a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores; e se houver gasto superior a 70% da receita, no ano seguinte o limite deverá ser reduzido para 50% do crescimento.
A proposta do governo traz alento ao garantir continuidade do financiamento de políticas públicas, mas ainda serão insuficientes para recuperar a reposição ao patamar anterior à vigência do teto de gastos e, sobretudo, durante o governo Bolsonaro que jogou milhões de pessoas na extrema pobreza, na insegurança alimentar, no desemprego, na redução da renda e alta taxa de juros.
Manter essa atual proposta, e impedir que o Congresso venha a adotar postura fiscalista, tornando ainda mais rígidas e restritivas as regras de expansão da despesa durante a tramitação do projeto, exigirá do movimento sindical, popular e social, no contexto da disputa da matéria, para evitar que o chamado mercado, que tem pressionado o governo pela agenda fiscalista.
A aprovação do Ploa (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) para o ano de 2024, de forma compatível com essas propostas, e o próximo Orçamento Público, com inclusão dos mais pobres, com a garantia de investimentos e valorização do serviço público, dependerão dessa mobilização!
(*) Jornalista, analista político, diretor de Documentação licenciado do Diap. Sócio-diretor da Contatos Assessoria Política.