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sexta-feira, 26/07/2024

Arranjos partidários: mera estratégia eleitoral ou algo estrutural?

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A leitura do troca-troca partidário ocorrido entre 3 de março e 1º de abril pode ser feita em duas dimensões: uma partidária e ideológica e outra puramente pragmática ou oportunista. Ou melhor: as mudanças são apenas conjunturais ou representam uma reorganização mais profunda? Qualquer que seja a resposta, a mudança de partido levou em consideração, prioritariamente, a sobrevivência política do parlamentar, e teve como consequência imediata a redução do número de partidos com representação na Câmara dos Deputados.

Na perspectiva da sobrevivência política, os parlamentares buscaram se filiar a partidos que viabilizassem a renovação de seus mandatos ou ao menos permitissem se beneficiar: 1) do vínculo com uma candidatura presidencial competitiva; 2) dos recursos do fundo eleitoral; 3) do acesso aos benefícios governamentais, no caso de partidos da base; 4) da estrutura de campanha nacional e regional; e, principalmente, 5) da sobra dos puxadores de votos.

Entretanto, é preciso registrar, desde logo, que as mudanças partidárias, que se deram num volume inédito, foram consequência das alterações na legislação eleitoral e partidária, que poderão resultar em algo mais estrutural. Afinal, houve: 1) fim das coligações nas eleições proporcionais; 2) aumento das exigências da clausura de barreira1; 3) redução do número de candidatos por partido ou federação; e 4) revisão da forma da conversão de votos em mandatos, com a exigência de percentuais mínimos de votos, tanto dos candidatos dos partidos que atingiram o quociente eleitoral (que precisam atingir um mínimo de votos correspondentes a 10% desse quociente), quanto dos partidos ou federações que não atingiram quociente, exigindo deles pelo menos 80% do quociente eleitoral para participarem das sobras e de seus candidatos um percentual mínimo de votos correspondentes a 20% do quociente para ocupar uma vaga na Câmara dos Deputados.

Vamos analisar as duas dimensões sugeridas no primeiro parágrafo na perspectiva pré e pós-eleitoral, para que tenhamos clareza das consequências ou dos possíveis desdobramentos e tendências desse rearranjo partidário.

Na primeira dimensão, partidária e ideológica, a migração se deu majoritariamente entre parlamentares da base de apoio ao governo e de visão ideológica à direita do espectro político, sendo favorecidos pela migração os partidos também com esse perfil, especialmente o PL, o PP e o Republicanos. O PL praticamente dobrou sua bancada, com a transferência em massa dos bolsonaristas que estavam no União Brasil (fusão do PSL com o DEM), especialmente os deputados que tinham sido eleitos pelo PSL na onda moralista-justiceira que elegeu Bolsonaro presidente em 2018.

Há de se registrar que as mudanças favoreceram mais aos partidos da situação do que da oposição. O governo Bolsonaro será beneficiado tanto na gestão presidencial, com maior apoio às suas pautas no Congresso e ocupação da presidência das comissões estratégicas, quanto na campanha de reeleição, embora nem todos que migraram para os três principais partidos da base (PL, PP e Republicanos) apoiem a chapa presidencial liderada pelo atual presidente. Mas é fato que terão de incluir em seu material eleitoral, por conta da coligação, o nome e o número do candidato presidencial apoiado por seus partidos.

Na segunda dimensão, a pragmática, os parlamentares fizeram uma avaliação de custos e benefícios, e perceberam que migrar para partidos da base consistente do governo beneficiava mais a eles próprios do que ao presidente da República. Como regra, o presidente terá algum proveito eleitoral e pouco proveito nas votações do Congresso, já que a maioria absoluta dos que migraram, inclusive do PSL, em grande medida, já eram base consistente do governo e poucas matérias relevantes serão votadas antes das eleições. Apenas na hipótese de reeleição é que o presidente poderia tirar grande proveito dessa mudança parlamentar para partidos fiéis à orientação governamental, já que poderia aprovar uma robusta agenda no período pós-eleitoral, antecipando boa parte das pautas de seu programa de governo. Os parlamentares, por sua vez, tendem a tirar maior proveito, seja mediante acesso ao governo e, em consequência a recursos e prestígio, seja beneficiando-se de fortes palanques em seus estados, seja valendo-se das sobras dos puxadores de votos para garantir a reeleição.

Os parlamentares de partidos de direita e centro-direita sem vínculo formal com Bolsonaro, como o PSD, União Brasil e Podemos, mas que apoiam a pautas governamentais em sua maioria, também tomaram essa decisão pragmaticamente. Calcularam que ficar livres em seus estados para apoiar os candidatos a governador, a senador e a presidente seria mais vantajoso, já que poderiam escolher fazer campanha para o candidato que pudesse lhe trazer mais dividendos eleitorais, além de não terem que dividir os recursos do fundo eleitoral com uma candidatura presidencial.

O pragmatismo se deu também entre parlamentares que optaram por partidos de centro-esquerda, como foi o caso do deputado Júlio Delgado, que deixou o PSB para filiar-se ao PV. O parlamentar nunca teve vinculação com as causas do partido verde e tampouco teve qualquer proximidade com o PT, tendo votado, inclusive, pelo impeachment de Dilma Rousseff, mas fez a opção para se beneficiar dos votos do PT em Minas Gerais, já que o PV faz parte da federação partidária. Isso poderá ser um problema, caso seja reeleito, porque o deputado dificilmente seguirá a orientação da liderança da federação, hegemonizada pelo PT, assim como também não seguia a orientação de seu partido anterior, o PSB, votando quase sempre à direita do partido.

Essa movimentação partidária, entretanto, não quer dizer que os parlamentares que optaram pelos partidos da base do governo irão renovar seus mandatos facilmente nem que eles conseguirão manter ou ampliar suas bancadas na eleição de 2022. É bem provável que os partidos que cresceram artificialmente saiam da disputa eleitoral menores do que entraram.

Vejamos alguns cenários ou tendências, para compreendermos melhor esse movimento. Mesmo não tendo terminado ainda o prazo final para a formalização das federações partidárias, que vai até 31 de maio de 2022, já é possível antecipar quatro tendências no pré e pós-eleição: 1) redução da fragmentação partidária; 2) disputa entre PT e PL pela maior bancada na Câmara em 2023; 3) realinhamento das forças políticas; e 4) fusão de partidos, como decorrência de incorporação de partidos que não atingiram o quociente eleitoral e/ou não alcançaram a cláusula de barreira na eleição de 2022.

A primeira tendência já está em curso e consiste na rearrumação partidária, decorrente da mudança na legislação eleitoral e partidária, especialmente o fim das coligações, o aumento dos requisitos da cláusula de barreira, a janela partidária e a criação de federações. A rearrumação, antes mesmo da eleição, nessa fase pré-eleitoral, já reduziu o número de partidos com bancadas na Câmara Federal, e a tendência é que essa redução seja maior ainda no pós-eleição, com menos de 15 partidos com representação no Congresso na próxima legislatura.

A segunda tendência, de disputa pelas maiores bancadas na Câmara dos Deputados em 2023, é de que ela fique entre os dois partidos com candidatos mais competitivos na eleição presidencial, os quais irão polarizar a eleição presidencial: o PT, com Lula, e o PL, com Bolsonaro. Os candidatos presidenciais, naturalmente, irão beneficiar os candidatos de seus partidos em termos eleitorais, especialmente os candidatos na eleição proporcional. Nessa perspectiva, não existe nenhuma garantia de que os outros partidos da base, como o PP, Republicanos, PSC e PTB, os de oposição formal à direita do espectro político, como o União Brasil e o Podemos, ou os de oposição de centro e centro-direita, como PSDB e MDB, sairão maiores ou até mesmo conseguirão manter suas bancadas pós-migração.

Por força da existência de forte candidato presidencial, no caso do PT, e de puxadores de voto, no caso do PSol, é muito provável que a bancada dos partidos de esquerda cresça nessas eleições. Mas, dificilmente, conseguirá superar a soma dos partidos do Centrão. Isto significa que o próximo presidente, seja ele quem for, irá depender do Centrão ou de parte dele para governar. Se o eleito for Lula, ele terá uma grande oposição da direita fundamentalista, embora possa trazer para a base alguns dos partidos sem nitidez ideológica que apoiaram Bolsonaro. Já se o atual presidente for reeleito irá enfrentar uma oposição maior que a atual, por força do crescimento da esquerda na eleição de outubro.

Ainda na hipótese de eleição de Lula, a tendência é que ocorra com o PL o mesmo que aconteceu com o PSL, com os parlamentares bolsonaristas divergindo dos demais integrantes do partido, que irão acompanhar o novo governo na maioria das votações. Fenômeno semelhante tende a acontecer com o União Brasil, que, exceto a ala oriunda do DEM, tende a acompanhar o governo nas votações centrais, independentemente de quem venha a ser o presidente.

A terceira tendência é que haja um realinhamento das forças políticas em três grandes grupos: um mais à esquerda do espectro político, liderado pelo PT/Lulismo; um de direita, liderado pelo Centrão/Bolsonarista; e um de terceira via, que poderá reunir partidos como União Brasil, Podemos, PSDB, MDB etc. Os dois primeiros grupos tenderão a se revezar na condição de situação e oposição no próximo governo e o terceiro grupo poderá ser independente em relação a um eventual governo Lula e apoio condicionado, na hipótese de reeleição de Bolsonaro.

A quarta tendência é que haja incorporação ou fusão de partidos no pós-eleitoral, especialmente por necessidade dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral e, principalmente, pelos que não superaram a cláusula de barreira, que exigem a eleição de onze deputados ou o atingimento de 2% do eleitorado nacional, com pelo menos 1% em nove unidades da federação.

Como se pode depreender da leitura desta coluna, haverá grandes mudanças no sistema partidário e novos realinhamentos nos pós-eleitoral. E, também, ficou evidente que a janela para mudança de partido sem perda de mandato favoreceu os partidos da base do governo e se mostrou um instrumento para contornar o instituto da fidelidade partidária e um artifício para casuísmos e oportunismos dos parlamentares, que mudaram de partido preocupados apenas com sua reeleição, sem qualquer compromisso doutrinário ou programática. Os partidos com sólidos compromissos programáticos, como PT2, PSol e PCdoB, pela esquerda, e o Novo, pela direita, ou não perderam parlamentares na janela ou as mudanças foram residuais.

Para fazer frente a esse cenário, cabe aos partidos do campo progressista escolher bons candidatos, priorizar a eleição proporcional e fazer o possível para atingir o quociente eleitoral em cada estado, com vistas a preencher vagas na eleição proporcional e participar da distribuição das sobras com vantagem, como contraponto ao crescimento e aos recursos de poder que os setores à direita conseguiram reunir nessas eleições.

Clique aqui e leia outros artigos de Antônio Augusto de Queiroz (Toninho do Diap).

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