Em live, presidente disse ter vetado artigo que proibia motociclistas de fazer ultrapassagem
Mais de um ano depois de entregar pessoalmente o projeto que muda o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) ao Congresso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou com vetos, nesta terça-feira (13), o texto que, entre outros itens, dobra o limite de pontos para que o motorista perca a carteira e amplia para dez anos o prazo de validade da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) de condutores com menos de 50 anos.
O texto deve ser publicado no Diário Oficial da União desta quarta-feira (14). A nova lei entra em vigor em seis meses.
Em uma live na tarde desta terça, Bolsonaro anunciou apenas um dos vetos. Ele derrubou trecho incluído pelo Legislativo envolvendo motociclistas. Eles poderiam trafegar entre veículos apenas quando o trânsito estivesse parado ou lento.
“Queriam, estava no projeto, nós vetamos, permitindo que o motociclista apenas pudesse ultrapassar filas de carros parados com baixa velocidade. Nós vetamos isso. Continua valendo, numa velocidade maior, o ciclista [sic] poder seguir destino”, disse Bolsonaro.
Segundo o presidente, não há necessidade desta medida porque “o motociclista, ele cuida da vida dele, pô. Ele que está em cima daquele trem ali. Eu sempre cuidei da minha vida, por muito tempo fui motociclista”.
Para defender o veto, Bolsonaro procurou exemplificar situações que, para ele, exigem velocidade dos motociclistas.
“Você, gordinho aí, uma pizza fria também acho que não cabe. [Tem que] Receber a pizza quente em casa”, afirmou.
Na justificativa oficial, o governo argumenta que, em que pese a boa intenção do legislador, o dispositivo restringe a mobilidade e gera insegurança jurídica.
“Atualmente, há ampla possibilidade de circulação entre os veículos e a proposta reduz a mobilidade das motocicletas, motonetas e ciclomotores, que é o diferencial desses veículos que colaboram, inclusive, na redução dos congestionamentos. Além disso, a dificuldade de definição e aferição do que seja ‘fluxo lento’ aumenta a insegurança jurídica, sendo inviável ao motociclista verificar se está atendendo eventual regulamentação do Contran”, diz o texto do veto.
O projeto de lei com alterações nas normas de trânsito foi entregue em junho do ano passado por Bolsonaro ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Desde então, ele se converteu numa bandeira do mandatário, que defende regras menos rígidas para motoristas que tenham cometido infrações.
“O projeto foi votado na Câmara e no Senado, algumas coisas foram alteradas.
Não era aquilo que nós queríamos, mas houve algum avanço. A intenção nossa era facilitar a vida do motorista”, declarou.
O texto foi aprovado pelo Congresso no final de setembro.
Uma das principais mudanças agora sancionadas é a que amplia o prazo de validade para a CNH. Hoje, o código estabelece que o documento deve ser renovado a cada cinco anos para motoristas até 65 anos, e a cada três anos após essa idade.
Agora, a validade passa para dez anos, no caso de motoristas de até 50 anos. Entre 50 anos e 70 anos, os exames de aptidão física e mental devem ser refeitos a cada cinco anos —mesmo prazo para motoristas de aplicativos e que exerçam atividade remunerada em veículos. Após os 70 anos, a renovação ocorre a cada três anos.
O texto também dobra o limite máximo de pontos que um motorista pode ter sem perder a habilitação. O número passa de 20 para 40 pontos, mas apenas para motoristas que não cometerem infração gravíssima. Se houver uma infração gravíssima, o limite cai para 30 pontos. Com duas ou mais infrações do tipo, a pontuação máxima volta a ser de 20 pontos.
Além da ampliação da pontuação e do prazo de validade da habilitação, as mudanças incluem um dispositivo que proíbe que motoristas que estiverem dirigindo embriagados e forem responsáveis por crimes de homicídio e lesão corporal sem intenção possam substituir pena de prisão por sentenças alternativas.
O projeto agora convertido em lei obriga ainda o uso da cadeirinha para crianças de até dez anos que não tenham atingido 1,45 m de altura. Elas deverão ser transportadas no banco de trás dos carros.
O projeto prevê a adoção de áreas de espera para motocicletas junto aos sinais de trânsito, à frente da linha de retenção dos demais veículos, e muda de gravíssima para média a infração cometida por motoqueiros que trafeguem com faróis apagados.
O texto obriga o motorista a manter faróis acesos também na chuva, neblina e cerração —na lei atual, a exigência é apenas para quem trafega à noite e, durante o dia, em túneis. Outro trecho obriga o uso de faróis baixos durante o dia apenas em rodovias de pista simples situadas fora de perímetro urbano.
Por fim, o texto cria o registro positivo de motoristas, com o objetivo de cadastrar aqueles que não tiverem cometido infração de trânsito sujeita a pontuação nos últimos 12 meses. União, estados e municípios poderão usar o registro para conceder benefícios fiscais ou tarifários aos motoristas cadastrados.
Bolsonaro disse na live que pretende apresentar em 2021 novas mudanças, inclusive algumas que foram derrubadas no Legislativo.
“O ano que vem vamos melhorar mais ainda porque nós devemos acreditar nas pessoas.
Porque só assim, no meu entender, a gente consegue uma conscientização onde todos saem lucrando, no bom sentido.”
Um dos pontos que Bolsonaro disse pretender insistir é no fim da exclusividade de médicos especialistas para a realização dos exames médicos necessários para obtenção e renovação da carteira de habilitação.
“Queremos que a inspeção de saúde fosse feita por qualquer médico”, afirmou.
Horas depois, porém, a Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou o restante dos vetos. Dois deles envolvem a especialização dos médicos e psicólogos aptos a fazer os atendimentos.
Alegando inconstitucionalidade e interesse público, foi vetado o artigo que diz que o candidato à habilitação deveria submeter-se a exames realizados pelo órgão executivo de trânsito e que os exames de aptidão física e mental e a avaliação psicológica deveriam ser realizados por médicos e psicólogos peritos examinadores, respectivamente, com titulação de especialista em medicina do tráfego e em psicologia do trânsito, conferida pelo respectivo conselho profissional, conforme regulamentação do Contran.
Pela justificativa do veto, “a expressão ‘com titulação de especialista em medicina de tráfego’ viola o princípio constitucional do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidos os requisitos mínimos de qualificação profissional”.
Consequentemente, também foi vetado o artigo que dizia que médicos e psicólogos peritos examinadores que não atendessem aos requisitos previstos no outro artigo teriam o direito de continuar a exercer a função de perito examinador pelo prazo de três anos até que obtivessem a titulação exigida.
O presidente da Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego), Antonio Meira Junior, disse à Folha ter sido pego de surpresa com a notícia do veto.
De acordo com ele, a decisão do governo não acaba com a exigência da titulação para médicos e psicólogos, o que está previsto em uma resolução do Contran de 2012.
“Mas abre brecha para futuramente retirar esta obrigatoriedade”, disse Meira Junior, segundo quem a Abramet vai trabalhar para que o Congresso derrube o veto.
Bolsonaro alegou interesse público para também vetar artigo que previa que a Autorização Especial de Trânsito seria emitida para todo veículo ou combinação de veículos utilizados no transporte de carga que não se enquadre nos limites de peso e dimensões estabelecidos pelo Contran. O documento seria concedido por meio de requerimento que especifique as características do veículo ou da combinação de veículos e da carga, o percurso, a data e o horário do deslocamento inicial ou o período a ser autorizado.
O governo entendeu que a medida poderia inviabilizar as atividades do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
“Esse dispositivo contraria o interesse público ao promover um acréscimo de demanda desproporcional às atividades atualmente desempenhadas pelo Dnit”, argumenta o Executivo no veto.
Também foi vetado trecho do artigo que determinava a realização de avaliação psicológica do condutor que colocar em risco a segurança do trânsito.
O último trecho vetado previa multa aplicável a vendedor de um veículo, caso ele deixasse de encaminhar ao órgão executivo de trânsito de seu estado o comprovante de transferência de propriedade no prazo de 60 dias depois de expirado o prazo concedido ao comprador do veículo.
Para o governo, a medida contraria o interesse público ao instituir a dupla penalização do vendedor, uma vez que outro artigo da proposta de alteração do CTB já prevê a penalidade de responsabilização solidária em relação à multa imposta ao comprador, caso ele não informe quem é o novo titular do veículo.
Todos os vetos ainda podem ser derrubados pelo Congresso Nacional.
Fonte: Folha SP