Em sua terceira encíclica, pontífice reflete sobre pandemia, condena o “dogma neoliberal, que propõe sempre as mesmas receitas” e cita Vinicius de Moraes
O Papa Francisco retoma temas sociais e reflete sobre um mundo atormentado pela pandemia do novo coronavírus em sua nova encíclica, divulgada neste domingo (4). Com o título Fratelli tutti (Todos irmãos), o pontífice pede o fim “do dogma neoliberal” e defende que a fraternidade seja praticada “com atos e não apenas com palavras”.
Nesta, que é sua terceira carta ao mundo católico em seus sete anos e meio de pontificado, Francisco afirma que o neoliberalismo é um “pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas diante de qualquer desafio que se apresente”. Em seguida, acrescenta que “a especulação financeira com o lucro fácil, como objetivo fundamental, continua provocando estragos”, e propõe à reflexão: “o vírus do individualismo radical é o vírus mais difícil de derrotar”.
No documento, Francisco repete o pedido já feito em suas viagens por parte do mundo.
“É possível aceitar o desafio de sonhar e pensar em outra humanidade. É possível ansiar por um planeta que garanta terra, abrigo e trabalho para todos.
Vinícius e periferias
Em outro trecho, em que fala de como diferentes faces da sociedade devem buscar a convivência e o respeito mútuos, o papa cita um trecho de “Samba da Benção”, do poeta e compositor brasileiro Vinicius de Moraes (1913-1980): “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, escreveu.
O texto da Carta incentiva a construção planetária de uma verdadeira cultura do encontro, em que todos podem aprender algo e na qual ninguém é inútil, “que supere as dialéticas que colocam um contra o outro”, afirma o religioso. “Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes.”
Relações
Francisco também reivindica o direito de todo ser humano viver “com dignidade e desenvolver-se plenamente” e recorda que a pandemia evidenciou a incapacidade dos dirigentes de atuar em conjunto em um mundo falsamente globalizado.
“A fragilidade dos sistemas mundiais diante das pandemias evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado”, completa.
Em sua encíclica mais social, depois de reiterar sua oposição à “cultura dos muros”, Francisco pede uma nova ética nas relações internacionais.
“Uma sociedade fraternal será aquela que conseguir promover a educação para o diálogo com o objetivo de derrotar o ‘vírus do individualismo radical’ e permitir que todos deem o melhor de si mesmos”.
“O mundo de hoje é principalmente um mundo surdo”, conclui o pontífice, que também pede uma reforma estrutural das Nações Unidas.
Com Carta Capital e Estadão