Previsibilidade e a segunda onda da crise sanitária

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Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e técnico do Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

Quando tudo vai acabar? A resposta, uma data ou uma certeza, ajudaria a criar força para resistir. Todos buscamos previsibilidade, probabilidade e perspectiva diante da crise sanitária da Covid-19 e suas consequências econômicas e sociais. Predizer o futuro: o emprego estará garantido? O salário chegará? As empresas podem retomar em breve? Os governos poderão flexibilizar o isolamento? Quando haverá remédio e vacina? Respostas seguras exigem investimento, trabalho coordenado, cooperação e inteligência aplicada na forma de ciência e diálogo voltados para o bem comum.

O novo coronavírus revela-se veloz no contágio. Por meio da circulação de pessoas pelo mundo, chegou a todos os cantos do planeta em poucas semanas. Sem remédio eficaz e sem vacina para imunização, tem rápida e alta letalidade.

Os países que bem organizaram o difícil processo de isolamento estão colhendo bons resultados: controle da infecção, diminuição do contágio e queda do número de mortes. O isolamento abre um tempo precioso para planejar a luta de todos contra esse inimigo invisível e desconhecido. Realizar investimentos no sistema de saúde, produzir e orientar o uso de equipamento de proteção e difundir os protocolos de distanciamento social; organizar a proteção à saúde dos trabalhadores em atividades essenciais e planejar a retomada segura das atividades para um momento futuro. Investir em pesquisas para inventar remédio e vacina. No isolamento, usar o tempo para construir saídas.

Por isso, a previsibilidade desejada e requerida é construída com inteligência de gestão, investimento na criação de medidas e procedimentos, na cooperação entre governantes, gestores públicos, empresas, sindicatos e comunidades. Comitês multipartites de gestão da crise com assessoria de grupos científicos são essenciais. Quem apostou na cooperação, na ciência e investiu na coordenação e mobilização está colhendo bons resultados.

No Brasil, o governo federal aposta em outra estratégia na qual joga com o confronto, a descoordenação, a desinformação, a competição com os entes federados e o descrédito da ciência. O País insiste em seguir na contramão dos casos de sucesso no combate a esta pandemia. Repudiado no mundo, aqui o genocídio tem cara e método. O governo federal dividiu quando deveria unir, competiu quando deveria cooperar, concorreu quando deveria colaborar, desorganizou quando deveria coordenar. Essa estratégia dará vitória à morte, destruirá a economia e produzirá o caos social.

“E daí?“, questiona o presidente da República!

Abrem-se valas para enterrar os milhares, pobres e trabalhadores, que tombaram na linha de frente comandada pela governança da morte. O Brasil já disputa o topo da lista do pior caso de gestão dessa crise no planeta.

Perdeu-se no país precioso tempo nos isolamentos iniciados em março e que agora seguem para a flexibilização. Não temos o SUS ampliado e atuando nacionalmente com as equipes de saúde da família na prevenção; não há estruturas locais suficientes para o isolamento; é limitada a capacidade de atendimento dos hospitais; não existe um sistema coordenado de rastreamento do vírus, nem método difundido de isolamento; faltam controles e testes em massa. O isolamento abriu tempo para fazer todas essas coisas. Fez-se pouco diante do que era necessário.

O contágio continua crescendo e o número de mortes aumenta a cada dia. Os governos locais cedem às pressões e começam a flexibilizar o isolamento, o fluxo de pessoas explode, as proteções prometidas inexistem na maioria dos casos. No caos, o invisível vírus mobiliza o espectro da morte na segunda onda de contágio e de óbitos. Cidades e estados já colhem resultados e enterram seus mortos. Uma crise humanitária sem precedentes ganha a cada dia mais crueldade.

Previsibilidade nessa dinâmica? A que temos é que até agosto serão 120 mil mortes e 200 mil até o final do ano!

Prognóstico: medo, insegurança e recuos. A economia passará a operar em uma dinâmica de sanfona, abrindo e fechando as atividades, dinâmica que mata empregos e empresas. A paralisação da atividade produtiva nessa primeira fase de isolamento, em uma economia que já vinha cambaleante, indica uma recessão com queda de 10% no PIB neste ano. Uma economia em queda e que opera em sanfona, abre a porta para a depressão econômica.

Probabilidade: caos social e conflitos que abrem a possibilidade para aventuras políticas autoritárias.

Não se pode voltar no tempo e fazer o que não se fez. É preciso olhar para frente. Poderíamos ter evitado a capotagem tão grave da economia. Não há mais como evitar o que já está em curso. Há que mitigar os danos, cuidar dos estragos e das destruições. Retomar o caminho já!

Criando comitê nacional de gestão da crise com a participação de governadores, secretários, de cientistas e especialistas, para promover um novo e bom plano de atuação para a proteção da vida de todos e, em paralelo, a proteção das empresas, dos empregos e da renda.

Mobilizar a proteção da democracia e manter funcionando bem as instituições do Estado democrático de Direito.

A sociedade civil e política deve investir na coordenação das ações, na cooperação entre iniciativas e planos, na articulação e integração de projetos e propostas.

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