O jantar macabro reuniu “o mercado”, esse sujeito oculto e indeterminado que circula pela mídia expressando opiniões decisivas e conclusivas em relação à política econômica e monetária
No início de abril, quando o País ultrapassava a trágica média de três mil mortes diárias decorrentes da Covid-19, para o que contribuíram decisivamente o negacionismo e a intencional descoordenação do governo federal ante a crise sanitária, o presidente Bolsonaro foi recebido em jantar que reuniu alguns dos ricaços brasileiros.
O jantar macabro aconteceu na cidade de São Paulo, onde governos subnacionais tentam implementar medidas de isolamento social pra controlar a propagação do vírus (medida que Bolsonaro combate), que produz as vacinas (aquelas às quais o Presidente insistentemente se opôs) que hoje imunizam cerca de 80% dos vacinados.
Como homenagem, e exemplo, não faltaram impropérios contra o governador de SP e demonstrações de descumprimentos de todos os protocolos de segurança. O evento expressou, mais uma vez, uma grosseira e violenta afronta do Presidente e dos seus apoiadores “do mercado” a toda a sociedade, que sofre com a crise sanitária e econômica.
O jantar macabro reuniu “o mercado”, esse sujeito oculto e indeterminado que circula pela mídia expressando opiniões decisivas e conclusivas em relação à política econômica e monetária (arrocho, teto de gasto, inflação, juros, privatização, concessões, cortes das políticas sociais etc.).
Luzes foram lançadas sobre os cerca de 80 homens, brancos, entre os quais estavam CPFs e CNPJs de milionários que conformam “o mercado”, como: Luiz Carlos Trabuco do Bradesco, André Esteves do BTG Pactual, David Safra do Banco Safra, Alberto Saraiva do Habib’s, Alberto Leite da FS Holding, Carlos Sanches da EMS, Candido Pinheiro da HapVida, Cláudio Lottenberg do Hospital Albert Einstein, Felipe Nascimento da Mapfre Seguros, Flávio Rocha da Riachuelo, João Apolinário do Polishop, João Camargo do Grupo Alpha, José Isaac Peres da Multiplan, José Roberto Maciel do SBT, Rubens Menin da CNN e MRV, Tutinha Carvalho da Jovem Pan, Paulo Skaf da Fiesp, Ricardo Faria da Granja Faria, Rubens Ometto da Cosan e Washington Cinel da Gocil, anfitrião que ofereceu sua mansão para o convescote do horror.
Sem máscaras, aglomerados na mansão no Jardim Europa, bairro perto dos endereços do capital, esses senhores externaram seu otimismo ovacionando efusivamente o Presidente, segundo a imprensa. Sobraram impropérios, conteúdo abundante na fala do mandatário, saboreados como sobremesa.
Ministros não faltaram. Mas uma presença essencial chamou pouca atenção. Trata-se do presidente do Banco Central: Roberto Campos Neto. O que fazia em um jantar na casa de um milionário, reunindo-se com pares do mercado, com o presidente da República e seus ministros, o representante máximo de uma instituição independente, cuja decisões têm impactos extensos sobre a política econômica e monetária e a riqueza “do mercado”?
Lembremo-nos que recentemente, no dia 24 de fevereiro, foi sancionada a Lei de Independência do Banco Central aprovada pelo Congresso. Pra aprovar essa Lei, a imprensa não cansou de difundir as certezas “do mercado” como a importância que a independência do BC teria para sinalizar “ao mercado” o comprometimento com a agenda econômica (“do mercado”), afastar a possibilidade de interferência política na autoridade monetária, ou a possibilidade do País conviver com taxas de juros mais baixas.
Então, lá estava na mansão do Jardim Europa, o máximo representante desse Banco Central independente, jantando com representantes reais “do mercado” pra demonstrar seu compromisso.
Dessa manifestação objetiva, pode-se especular que a independência efetiva que o Congresso aprovou é em relação aos que não são milionários, nem se escondem no manto da invisibilidade “do mercado”, aqueles que vivem de salários ou dos ganhos do trabalho duro, aqueles que estão desempregados ou lançados na miséria. Sim, em relação a estes, independência total. Com “o mercado”, compromissos compartilhados à mesa.
O que esse jantar macabro revela, mais uma vez, são as formas que a elite renova e perpetua os compromissos para a sua proteção e aumento e reprodução da sua riqueza; lista os CPFs e CNPJs dos corresponsáveis pelas listas diárias de óbitos pela sustentação que dão ao governo que elegeram. Talvez não haja nenhuma novidade, a não ser as luzes que iluminam o cenário de horror e as faces dos algozes.
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