Em relação ao presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e o seu discurso de posse, melhor seria prestarmos bem atenção sobre suas intenções. Trump retoma o projeto de destruir a já capenga democracia americana e implantar por lá uma ditadura, assim como promover essas mesmas condições junto a outras nações via fortalecimento da extrema-direita da qual hoje é sua principal referência.
Ao dizer isto nem me refiro a um autogolpe, mas aos poucos ir tomando medidas para fragilizar ainda mais um sistema que hoje serve para atender os interesses de uma seleta minoria.
A presença em campanha eleitoral e posse, bem como o estreitamento das relações de Trump com multimilionários aponta, não para o aprofundamento de uma sociedade democrática, mas de uma plutocracia (=governo dos ricos) que de fato já existe, mas que o grupo hoje no poder pretende promovê-la a um nível ainda mais amplo e profundo.
Para tal será preciso fechar o regime pois em situações dessa ordem a opressão é tanta que para manter esse sistema a tendência é a desconstrução do que ainda resta de cidadania social (direitos da classe trabalhadora, que são conquistas da sociedade, incluindo o direito a protestos, greves, etc.) limitando cada vez mais as liberdades.
Quando Trump fala em defesa das liberdades não está se referindo aos trabalhadores/as, pobres, desempregados/as, porém a liberdade dos muitos ricos (banqueiros, controladores dos fundos de investimentos e seus acionistas, donos das chamadas “Big Techs”…) que, com seu poder econômico, controle das tecnologias da informação (TI) e, via governo, do poder militar, juntos tentarão subjugar o mundo e, havendo reação à altura, a possibilidade de levá-lo a uma grande catástrofe.
A proposta de expansão territorial norte-americana de anexar o Canadá, a Groelândia, o Golfo do México (com grandes jazidas de petróleo no seu subsolo), retomar o controle do Canal do Panamá (controlar o transporte marítimo nessa parte do mundo), não é assim tão diferente da pretendida por Hitler quando à frente do poder na Alemanha nos anos 1930, com sua política de exclusão dos judeus e minorias e de expansão como “espaço vital” para o povo alemão, visando a construção e ampliação do seu 3º Reich.
Resguardadas as proporções, no tocante à geopolítica existe grande semelhança entre as pretensões de Trump e as de Hitler, pois o objetivo do presidente norte-americano é usar os imigrantes como bode expiatório (tal como foi com os judeus na Alemanha), ocupação de territórios para além dos limites físicos do seu país e recuperar uma hegemonia que os Estados Unidos estão perdendo.
Para quem acompanha o que ocorre no âmbito das relações internacionais sabe que os Estados Unidos são ainda econômica e militarmente poderosos, mas em decadência. Autores norte-americanos, como Huntington, Chomsky, o britânico Paul Kennedy, bem como o professor e teórico italiano, Giovanni Arrighi, em seu “O Longo Século XX”, entre outros, são bastante claros em suas análises a respeito dessa questão.
Não é à toa que Trump fala em recuperar a glória e o esplendor da América, que na sua visão se perdeu, fazendo uso de uma política econômica de cunho protecionista com o claro objetivo de se opor a países como a China, Rússia, Brasil e outros que se articulam com vistas à “cooperação econômica, ao financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável, à democratização da ordem internacional e ampliação da sua influência no âmbito das discussões políticas mundiais”. Com destaque para uso de outras moedas que não o dólar nas suas transações comerciais”.
Trump sabe que o dólar, ao perder a função de moeda internacional hegemônica nas transações comerciais entre países, os Estados Unidos não poderão continuar tendo déficits comerciais para financiar seus gastos militares.
No âmbito das pretensões políticas internacionais com vistas a recuperar a hegemonia norte-americana Trump revela inclusive a intenção de usar e abusar da conhecida política do Big Stick (= diplomacia do porrete) adotada já início do Século XX pelo então presidente norte-americano, Theodore (Ted) Roosevelt (1858-1919).
Aliás, em seu discurso de posse, fez menção a Roosevelt, assim como em relação a William McKinley (1843-1901), 25º presidente dos EUA, a quem Roosevelt o sucedeu.
McKinley ficou conhecido pela sua política econômica protecionista voltada a proteger a indústria norte-americana, entre outras. Enfim, trata-se de um discurso com pretensões perigosas tanto para o povo norte-americanos quanto para o mundo. Penso que subestimá-las pode ser um grande erro.
Organizar-se para resistir coletivamente a essas pretensões sombrias do fascismo, dentro e/ou fora do Estados Unidos, é mais do que necessário. Aliás, é vital para a paz mundial, a salvação do planeta e a construção de uma sociedade nova na qual esteja assegurada “a plena realização do potencial humano e que contribua para a prosperidade compartilhada”. Ou seja, de modo que se tenha um futuro promissor, digno, para todos e todas.
José Raimundo de Oliveira
Historiador, educador e ativista social