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quinta-feira, 3/10/2024

“Incendiaram a UNE e eu estava lá”

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1º DE ABRIL DE 1964 – Rio de Janeiro

Cada um, que viveu aqueles dias, guarda uma recordação pessoal do golpe de 1964. Eu, que assino esta crônica, e morava no meio rural distante, me lembro de quatro aviões barulhentos cortando os céus auriflamenses. E só.

Mas nosso personagem, hoje chegando aos 82 anos, estava no centro dos acontecimentos, na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente na sede da mítica União Nacional dos Estudantes.

Ele conta: “No começo da tarde, vinda de Copacabana, chegou uma charanga fascista barulhenta, liderada pelo Carlos Imperial, e incendiaram o prédio, à base de coquetéis molotov, sob os brados de Abaixo o Comunismo e Abaixo a UNE. Houve apoio nos edifícios vizinhos. O prédio da UNE era um alvo fixo, totalmente desguarnecido.

Eu havia deixado minha primeira biblioteca no térreo da UNE, na Praia do Flamengo, porque estava de mudança pra um novo apartamento. Certamente, meus livros ajudaram o fogo a se esparramar pelo prédio.

O ambiente na noite do 31 de março era de imprecisão. Tanto é que o próprio Castelo Branco preferiu a segurança de um aparelho. O golpe viria a se firmar no dia seguinte, com a adesão do general Amaury Kruel, à frente do II Exército. O apoio popular em São Paulo e no Rio também mostrou que o golpe havia se consolidado.

Ainda no 1º de abril senti o peso do golpe ao ver a Polícia do Lacerda passar de metralhadora e atirar com a mira baixa. No Campo de Santana, uma pessoa caiu morta do meu lado. Eu era estudante de Matemática na então Faculdade de Filosofia no Rio de Janeiro. Curiosamente, naquele 1º de abril chuviscava e fazia frio na cidade do Rio. Outdoors anunciavam um tipo de roupa que não amassava.

Na casa de um amigo, onde me abriguei, ao perceber o frio, a mãe dele tirou uma peça do guarda-roupa, pegou uma tesoura e cortou a etiqueta da blusa, pensando talvez em dificultar alguma possibilidade de identificação”.

Pós-golpe, nosso personagem viveu um bom tempo clandestino, conseguiu depois escapar do Brasil e viver vários anos na Europa. Mas aí é outra história.

João Franzin, jornalista da Agência Sindical.

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