Atenção patrulheiros do politicamente correto: isto é apenas um exercício intelectual! Somente uma especulação provocativa de quem escreve sem fazer qualquer juízo de valor ou crença deliberada nos enunciados. Feita essa digressão, vamos ao que interessa a poucos.
Yuval N. Harari, em seu “21 lições para o século 21”, revela o caso do garoto Hugh, encontrado em um poço em Lincoln (Inglaterra), em 1255. Espalhou-se que o menino fora sacrificado em um bárbaro ritual, atribuído aos judeus. Depois de investigações, dezenove judeus foram executados por esse assassinato. Hugh virou santo, seu túmulo na Catedral de Lincoln era visitado e ele foi venerado. Seguiram-se massacres em cidades inglesas e os judeus foram expulsos do país em 1290.
A partir de 1955, uma placa explicativa foi colocada na Catedral repudiando a versão da história de Hugh. Ao contar a história, Harari a compara a uma fake news que durou 700 anos. Mas o raciocínio não para aí. Se você acredita numa narrativa religiosa, por exemplo a cristã, Harari pergunta: “O que você faz com o Corão, o Talmude, o Livro dos Mórmons, os Vedas, o Avesta, o Livro dos Mortos (egípcio)?”. Claro, ele diz com todas as letras que as narrativas religiosas não passam de “ficções criadas por humanos de carne e osso”.
Sem aprofundamento, se é possível que narrativas como a do menino Hugh e outras mais elaboradas e sofisticadas podem durar centenas ou milhares de anos, o que podemos falar das insensatas versões do universo político atual, não só no Brasil como no resto do mundo? Lembrar que antes não tínhamos as redes sociais nem as poderosas plataformas virtuais. Hoje, uma simples mensagem de WhatsApp pode ser reproduzida aos milhões.
Talvez tenhamos que dar algum crédito àqueles que se preocupam com o regramento das redes sociais, criminalizando a mentira e a falsidade. São desvios perigosos que já se provaram nocivos à noção de democracia. Do outro lado, há argumentos poderosos, como os da liberdade e responsabilidade individual. Esse debate está acontecendo no mundo todo e as universidades estão se debruçando sobre o tema.
Ainda vai passar muita água debaixo da ponte para se encontrar o denominador comum. Ocorre que as tecnologias avançam em velocidade supersônica e nossos parlamentos são verdadeiros paquidermes. Nem mesmo leis comuns, simples adequação de circunstâncias econômicas e sociais, são aprovadas rapidamente. O que dizer então de leis que regulam comportamentos para enfrentar a avalanche de inteligência artificial (IA) que vem por aí.
Não se sabe exatamente em que porto vamos desembarcar. Mas precisamos esperar mais da classe política, principalmente que ela seja capaz de encontrar as soluções a esses graves problemas da atualidade. Em uma sociedade que ainda não encontrou solução para o roubo de celulares ou que sequer ofereceu alfabetização a todos os seus cidadãos, é provável que tenhamos dias piores pela frente. Infelizmente, não se pode confiar em quem, de alguma forma, é beneficiado pela ignorância generalizada.
Laerte Teixeira da Costa – Secretário de Políticas Sociais da Confederação Sindical das Américas.