As mudanças no mundo do trabalho avançam e a organização sindical vai se distanciando dessa nova dinâmica. É urgente avançar na reestruturação do sindicalismo.
A esquerda somente poderá tirar partido disso se souber remediar a pane de imaginação que vem sofrendo. Se quisermos ultrapassar o neoliberalismo, abrindo uma perspectiva positiva, temos que desenvolver uma capacidade coletiva que ponha a imaginação política para trabalhar a partir das experimentações e das lutas do presente.
Para superar a “pane de imaginação” que Dardot e Laval analisam no ótimo livro citado acima, o movimento sindical está desafiado a analisar e debater os graves problemas que vivemos para subsidiar um trabalho coletivo de criação para a superação do atual contexto. Trata-se de imaginar e desenhar a utopia que nos une, as estratégias para promovê-la, as políticas e os projetos que a materializam. Esse artigo pretende contribuir no debate para essa grande construção, procurando destacar os desafios futuros e indicar diretrizes de ação no contexto dos próximos dois anos (2022 – 2023).
1. O movimento estrutural
A hegemonia neoliberal é o movimento estrutural de incontáveis iniciativas mundiais que se materializou no contexto histórico de cada país e nação e que promoveu uma crescente dinâmica transformadora multidimensional nas cinco últimas décadas. Mais recentemente a crise econômica de 2008 expos contradições dessa dinâmica e colocou obstáculos para sua continuidade. As respostas predominantemente preservaram e renovaram a dinâmica neoliberal de mudanças com grandes custos econômicos e sociais para a sociedade. Nos dois últimos anos a pandemia do covid-19 travou a economia e colocou a sociedade em alerta, expondo a um só tempo as inúmeras fragilidades do modelo capitalista neoliberal. Atualmente passam a surgir iniciativas que podem abrir novos caminhos. A construção da utopia (aquilo que ainda não é ou que não existe, mas que podemos construir) abre-se para as asas da imaginação para formularmos e implementarmos novos modelos, projetos e políticas.
A ordem neoliberal na dimensão econômica promoveu a máxima prevalência do mercado e a mercantilização de todas as atividades humanas; enalteceu a prioridade para o acionista em detrimento da sociedade e aumentou a concentração de renda e riqueza; afirmou a virtude do Estado mínimo e expandiu a privatização das estatais e das políticas e serviços públicos (saúde, educação, segurança, saneamento, energia, parques, estradas, etc.); colocou a concorrência como valor dominante nas relações econômicas e ampliou as fusões e concentração em grandes empresas; viabilizou a redução do custo do trabalho e implementou novas e inúmeras formas de flexibilidade laboral e reduziu o poder dos sindicatos; ampliou muito a terceirização no setor privado e público; avançou na desindustrialização de países; trouxe a reprimarização das economias em desenvolvimento; patenteou o conhecimento e o domínio sobre riquezas naturais; colocou o tripé macroeconômico – metas de inflação, metas fiscais e câmbio flutuante – como valor universal e o impôs aos países; mobilizou uma agenda permanente de reformas para fincar suas estacas de hegemonia do mercado.
Na dimensão social a ordem neoliberal promoveu o indivíduo a ente superior e enalteceu sua sobreposição ao coletivo; exacerbou o individualismo como virtude natural; a meritocracia foi alçada a valor natural para posicionar os indivíduos na hierarquia da sociedade; acirrou-se a competição para organizar a vida em sociedade; promoveu-se a transição da seguridade social para o seguro pessoal, da proteção social universal para a assistência aos carentes, da representação coletiva para a solução individual.
Na dimensão política a ordem neoliberal identificou a necessidade colocar limites às democracias para promover seus projetos e reformas. Para isso enfraqueceu continuadamente as instituições e a participação social; aumentou o poder e o controle da Justiça para comandar a ordem econômica e política; desqualificou projetos de nações e articulou golpes de Estado. O enquadramento nos seus marcos de governos sociais-democratas ou socialistas teve sucesso em muitos casos ou contextos, o que trouxe descrédito para essas forças sociais. As alianças com projetos neoconservadores e fascistas colocou-se como uma variante dura, mas necessária aos neoliberais democratas e nela se passou a atacar ainda mais o Estado Democrático de Direito, as instituições, a participação social, e foram enaltecidios os valores e as ideais ultraconservadoras, xenófobas, racistas, homofóbicas. Na política a eliminação dos adversários, inclusive física, tornou-se prática de alguns governos controlados pela da direita radical ou fascista.
Trata-se de um movimento mundial que ganhou prevalência crescente a partir dos anos 70 (na Europa a partir da Inglaterra de Thatcher, na América Latina a partir do Chile de Pinochet), que sofreu abalo com a crise mundial de 2008 e que se recuperou às custas de toda a sociedade.
A pandemia criou uma situação inédita, diferente da crise de 2008. Agora o travamento da economia foi global, paralisando as cadeias produtivas e os fluxos de abastecimento, recolocando em evidência a importância dos Estados nacionais, das políticas públicas de saúde, educação, assistência, da base industrial e da política de industrialização para o desenvolvimento com soberania, abriu questionamentos à globalização, expos os limites do tripé macroeconômico, enunciou saídas coletivas e o papel da comunidade; expos a avidez dos acionistas. Evidências que precisam ser permanentemente denunciadas, trabalhadas no coletivo com comunicação e debate público para construir as condições para sair do modelo neoliberal.
Novamente, talvez pela primeira vez de maneira simultânea, esse grande ciclo de hegemonia neoliberal e seus fundamentos estão sendo mais amplamente questionados. Os Estados passam a retomar protagonismo inéditos nas medidas adotadas, nas escalas dos recursos aportados ou na abrangência de políticas promovidas. Políticas públicas de combate à pandemia, com distribuição de renda e garantia dos empregos e, agora, com planos vultuosos e robustos de investimento em infraestrutura econômica e socioambiental, na reindustrialização ambientalmente sustentável, no combate às desigualdades, entre tantas outras, são medidas inéditas que passaram a fazer parte desse cenário repleto de incertezas. Será preciso dar lastro para esse salto ou guinada, sustentá-lo politicamente e usar a imaginação para criar e promover transformações do sistema capitalista.
A urgência climática carrega as várias crises ambientais (poluição dos mares, do ar, da terra, destruição de biomas, mortes de milhares de espécies, etc.) para a escala de alerta máximo. Trata-se de uma crise inédita que a humanidade criou para todas as formas de vida no planeta e para a qual a inação representará a morte de milhões, o sofrimento permanente para a grande maioria das sociedades e populações. Os trabalhadores e os pobres são os que mais sofrerão. Por isso, a vida e a saúde em escala planetária podem ser dimensões para configurar uma nova abordagem para o modelo de desenvolvimento futuro que se constrói desde hoje. Isso é urgente e inadiável e, infelizmente, a economia e a política têm dado respostas muito aquém do necessário, sem considerar as alucinações e a estupidez de governos como o de Bolsonaro ou Trump no tratamento a questão.
Nesse movimento estrutural neoliberal, para o mundo do trabalho se destacam os seguintes impactos, desafios e linhas de ação:
Reformas laborais realizadas em mais de 140 países, desde 2008, foram promovidas para flexibilizar formas de contratação, jornada de trabalho, formas de ocupação, direitos trabalhistas e a regulação do trabalho. O desafio futuro será:
Recolocar a centralidade da regulação através da negociação coletiva e da legislação das várias formas de proteção – laboral, social e previdenciária -pensadas com caráter universal para todas as formas de ocupação e de contrato.
Introduzir nas políticas públicas do mundo do trabalho a relação de complementariedade e a regulação inovadora entre/do trabalho produtivo e trabalho reprodutivo. Nesse campo ainda será fundamental avançar no compartilhamento das tarefas e atribuições familiares e de cuidados das crianças, idosos e doentes, tarefa hoje predominantemente realizada pelas mulheres e sem reconhecimento social, econômico e protetivo.
Reposicionar o papel e as estratégias das negociações coletivas envolvendo as cadeias produtivas, as empresas terceiras e os fornecedores diretos e indiretos, com entidades que tragam a representação ampliada de todos os trabalhadores do setor ou da cadeia produtiva.
Conceber novas abordagens legislativas para gerar proteção social, laboral e previdenciária ampla, bem como inovar na gestão das políticas relacionadas ao mundo do trabalho, com especial atenção para as questões que dizem respeito à saúde e segurança no trabalho.
Conceber novas formas de financiamento da seguridade social enunciada como direito universal em um mundo do trabalho com diferenciadas formas de ocupação (há países na América Latina que ¾ da população trabalha na informalidade, ou seja, sem proteção laboral e previdenciária).
Criar e promover uma nova arquitetura sindical para se colocar como sujeito coletivo estratégico nessa disputa e construção, desenvolvendo trabalho permanente de valorização dos sindicatos perante a sociedade.
Reformas para a exclusão sindical (financiamento, poder de negociação, atribuições retiradas, etc.), incentivo para a desfiliação (individualismo, meritocracia, criminalização do sindicato e dirigente, atuação das empresas, etc.), formas de ocupação distanciadas do campo sindical (terceirizados, autônomos, PJs, uberizados, home office, etc.). O desafio futuro será:
Realizar um trabalho de valorização dos sindicatos através de campanhas e atuação junto à base combinando o uso das redes sociais, a presença nos locais de trabalho e nos locais de moradia.
Implementar estratégia para ampliar a base de representação para todos os trabalhadores do ramo ou setor, o que implicará em um projeto estratégico de reestruturação sindical.
Desenvolver iniciativas inovadoras para a sindicalização dos trabalhadores assalariados e, principalmente, criar formas de filiar os não assalariados.
Criar estratégias de mobilização que coloquem os trabalhadores em movimento na realização das suas lutas, ações coletivas, campanhas, etc.
Desenvolver formas inovadoras de comunicação através das redes sociais e da criação de fatos que repercutam na grande mídia.
Reestruturar o movimento sindical à luz das mudanças no mundo do trabalho para responder aos velhos e novos desafios presentes e futuros (ampliar base de representação, formular estratégias de aumento da representatividade, agregação e fusão de sindicatos, estratégias de negociação, etc.).
Conceber um processo autônomo dos trabalhadores e suas organizações para elaborar e promover a restruturação sindical.
Fragilização do Estado Democrático de Direito, das instituições, organizações e movimentos de representação coletiva. O desafio futuro será:
Ampliar, com qualidade, o leque de relações institucionais.
Promover aproximações e atuação conjunta entre o movimento sindical e os movimentos sociais e populares.
Criar relações permanentes com o Poder Legislativo.
Valorizar o papel dos partidos e da vida política e dela participar.
Participar, de maneira intensa e inovadora, do debate públicos sobre os projetos de desenvolvimento, tendo como eixo articulador da abordagem sindical a geração de emprego de qualidade, o crescimento dos salários, a proteção laboral, social e previdenciária universais, o combate à desigualdade, o fim da miséria e da pobreza.
É muito importante considerar que esse ciclo estrutural de hegemonia neoliberal poderá ser superado se as forças progressistas forem capazes de criar os fundamentos e os componentes de transformações em múltiplas dimensões, como a ordem econômica, social, política, cultural. Entender que esse processo leva um tempo que não se pode mensurar, que exige continuidade da ação, condições para reunir força social e aglutinar capacidade política de longo prazo. É fundamental estar atento aos fatos que antecipam possibilidades para avançar e para encurtar o tempo da transformação. Conceber que a mudança estrutural depende tanto das pequenas como das grandes ações no contexto presente, sempre respondendo aos desafios reais da conjuntura, mas com processos sociais articulados a um projeto maior, a uma visão mais ampla.
Do nosso ponto de vista sindical, é necessário conceber que a “pane de imaginação” exige uma resposta criativa que esteja assentada na solidariedade e na cooperação, com fundamentos de igualdade, liberdade e democracia, elementos que precisam ser visíveis e sensíveis no cotidiano da luta, contidos nas propostas e projetos.
2. O contexto nacional
O contexto estrutural adquire sua forma real em cada contexto nacional. No Brasil identificamos três ciclos de projetos distintos nas duas últimas décadas.
O ciclo do projeto democrático e popular, materializado pelo governo Lula e Dilma, que resistiu ao ataque neoliberal e se contrapôs com uma estratégia de desenvolvimento inovadora e com novas alianças internacionais. Nesse ciclo, o país recolou seu projeto para a constituição e fortalecimento da demanda interna pelo crescimento dos salários como a política de valorização do salário mínimo; a geração de empregos; a retomada do protagonismo sindical através das negociações; a retomada articulada do investimento púbico em infraestrutura econômica e social; o combate às desigualdades através de políticas distributivas e de proteção social, com investimento em educação, saúde e assistência; a inserção soberana na economia global, valorizando relação Sul-Sul e com novas articulações internacionais; crescimento da produtividade pelo investimento de longo prazo em educação, pesquisa, tecnologia e inovação, entre outras inúmeras inciativas. Entretanto, não foi capaz de realizar a reforma tributária, a reforma política, a reforma do Estado, a reforma do pacto federativo, a reorganização do orçamento público, a consolidação das políticas sociais como permanentes, , entre outros. Todos esses aspectos representam déficits estruturais na estratégia de transformação.
Esse ciclo foi interrompido pelas brechas abertas no início do segundo mandato da presidente Dilma, com o (des)ajuste fiscal de Levi, com o esgarçamento da relação com o Congresso, com o aprofundamento da crise econômica, eventos que deram asas às clássicas práticas golpistas da elite econômica e política do país, com apoio da mídia e da Justiça, materializada no impeachment em 2016. A “ponte para o futuro” de Temer foi o “novo” velho projeto, que deu uma guinada no projeto de desenvolvimento Lula/Dilma para alinhá-lo à ordem e à agenda neoliberal. Começou com a entrega do pré-sal e empoderamento dos acionistas privados da Petrobrás; reduziu o papel do Estado e alavancou o protagonismo do mercado; realizou uma profunda flexibilização laboral com a Reforma Trabalhista. a Reforma Sindical e a terceirização sem limites; promoveu o ajuste fiscal demando pelo mercado com teto de gasto; fez andar os projetos de privatização e de redução do tamanho do Estado, entre tantas outras medidas. Esse ciclo conservador não foi capaz de gerar sua continuidade através do processo eleitoral e com a prisão de Lula, com os ataques e golpes contra o campo democrático, abriu-se caminhos para o fascismo e a direita ultraconservadora ocuparem o espaço da política e assumirem o governo.
O ciclo da “ponte para o futuro” virou uma pinguela e Bolsonaro viabilizou o terceiro ciclo com a hegemonia neoliberal do “Posto Ipiranga” na economia, de Damares e sua goiabeira, do incendiário homem da boiada, do astronauta, dos terraplanistas, da estupidez em estado bruto na educação e nas demais áreas do governo, realizando a regressão sem precedentes das políticas públicas, tudo assentado no discurso de defesa da família, dos costumes ultraconservadores, na fé, no medo ao comunismo etc. A destruição ambiental, a queima das florestas, de áreas do cerrado, do Pantanal, a expansão do agronegócio e da grilagem viraram bases das políticas públicas. Desindustrialização, fechamento de empresas, desemprego, emprego informal, desproteção, aumento da pobreza e da miséria fazem parte do cotidiano. A lista é extensa, mas cabe destaque as iniciativas de Bolsonaro em atacar sistematicamente as instituições e continuadamente armar golpes.
A pandemia criou obstáculos ao avanço da destruição de Bolsonaro e sua turma, mas trouxe com a intencional descoordenação do (des)governo federal, o negacionismo e aversão às orientações da ciência, muito sofrimento e mais de 600 mil mortes das quais mais de 2/3 seriam evitáveis. A economia travou e caiu 4,1% em 2020. A recuperação de 2021 recolocará, na melhor das hipóteses, o país na situação anterior.
O movimento sindical atuou de maneira unitária no enfretamento da pandemia junto ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal, aos governadores e prefeitos, ao empresariados, aos partidos e líderes partidários; propondo e articulando o Auxílio Emergencial, a proteção dos empregos e dos salários, o apoio às micro, pequenas e médias empresas; demandou políticas de proteção sanitária, rapidez na compra e aplicação da vacinação, acesso aos testes de covid, a ampliação dos protocolos de proteção, de distanciamento social, entre outros. Nas negociações coletivas, na solidariedade das entidades sindicais de base, as Centrais e os sindicatos disponibilizaram sedes e equipamentos para apoiar as ações do SUS e de seus profissionais, entre tantas outras ações. Em 2021as Centrais Sindicais se integraram na campanha Fora Bolsonaro.
A situação presente e prospectiva, diante dos gravíssimos retrocessos, coloca desafios que exigem resposta, tais como:
Recolocar o país orientado por um projeto de desenvolvimento econômico e socioambiental que dê centralidade à geração de empregos de qualidade, ao crescimento dos rendimentos do trabalho, à proteção laboral, social e previdenciária universal, ao combate das desigualdades e ao fim da pobreza e da miséria.
Reposicionar o projeto de industrialização orientado para a promoção da sustentabilidade ambiental, pelo incremento da produtividade e sua difusão para toda a economia e pela geração de emprego de qualidade.
Observar que o país reúne as melhores condições para uma resposta urgente ao aquecimento global, de um lado eliminando as queimadas, reduzindo o desmatamento, recuperando e preservando os biomas, promovendo energias renováveis (a Petrobras deve se tornar uma empresa de energia renovável), e de outro inovando no desenvolvimento produtivo conectado com o desafio ambiental.
Promover a valorização das micro, pequena e médias empresas e da economia solidária e popular em termos de gestão, crédito, assistência, inovação, comércio e compras governamentais.
Dar centralidade às políticas voltadas à segurança alimentar, ao fortalecimento da agricultura familiar e à industrialização que agrega valor nesse setor, com pesquisa e inovação.
Retomar investimentos estruturais e de longo prazo:
Na educação, para responder às novas tecnologias de comunicação e às mudanças na sociedade e no mundo do trabalho.
Na saúde, investindo no SUS e em seus inúmeros programas, e em pesquisa.
Nas políticas de segurança pública.
Nas políticas distributivas, recuperando o Bolsa Família, fortalecendo e expandindo sua abrangência e proteção.
Promover a reforma tributária solidária, gerando a progressividade do sistema tributário.
Reorganizar e aparelhar o Estado para ampliar e modernizar a capacidade de atuação.
Rearticular a capacidade produtiva do Estado (estatais) e bancos públicos.
Reconstituir as bases do financiamento da proteção social e torná-la universal.
Recriar espaços de participação social e de debate púbico sobre o orçamento da União, as prioridades das políticas econômicas, sociais, culturais;
Reconstruir um sistema público de trabalho, emprego e renda, para criar e promover programas de proteção dos empregos, dos desempregados, da intermediação de mão-de-obra, de qualificação profissional, para o primeiro emprego, para o microcrédito produtivo, entre outras importantes diretrizes.
Essas diretrizes devem fazer parte de escolhas estratégicas que permitam ao país mobilizar um movimento de transformação nas bases da economia, sociais, políticas e culturais. A agenda de reconstrução do país exigirá uma ordem de prioridade pois, não se conseguirá fazer tudo e ao mesmo tempo. Para isso, será necessário construir acordos sociais mais abrangentes, com compromissos, metas e planos.
Em termos de ordem de prioridade seria fundamental estabelecer de partida, nos primeiros 100 dias do novo governo:
Políticas vigorosas para transferir renda aos mais vulneráveis (miseráveis e pobres) por meio de políticas sócias integradas (Bolsa Família, educação, saúde, assistência, emprego, formação profissional).
Mobilizar investimentos públicos para retomar as obras paradas e realizar obras emergências para gerar rapidamente milhões de empregos.
Anunciar um amplo projeto de investimento em infraestrutura econômica(estradas, portos, aeroportos, energia, etc.) e em infraestrutura socioambiental (saúde, educação, assistência, segurança, recuperação + combate às queimadas e ao desmatamento, preservação das florestas e biomas, cuidados com meio ambiente, etc.), medidas que têm forte impacto na geração de emprego. Cabe ainda destacar que será estratégico um projeto de modernização urbana orientado pelas melhores práticas de sociabilidade, mobilidade, energia, uso do solo, saneamento, etc.
Projetos que juntos têm grande impacto virtuoso na geração de emprego para responder às demandas dos mais de 30 milhões que estão desempregados, desalentados, inativos, subempregados.
Essas ações mobilizarão a geração de emprego e de renda do trabalho, criarão capacidade de consumo e estruturarão de maneira consistente a demanda, base para o investimento privado que amplia a capacidade produtiva e dinamizar o crescimento econômico.
Alçar o país ao patamar de nação desenvolvida requer dobrar a atual renda média, o que deve vir acompanhado de medidas para reduzir as desigualdades. Trata-se de um projeto para uma ou duas décadas, de ação continuada e coordenada, de forte capacidade política de pactuação de compromissos, resultados e participação social.
3. E o jogo de curto prazo – 2022?
O processo eleitoral dominará o cenário de 2020, em especial pelo que significa o (des)governo Bolsonaro e diante da sua pretensão de reeleição, que conta hoje com apoio de parcela da sociedade.
A única alternativa para um projeto alinhado com as diretrizes acima exige a eleição de um governo alinhado com as diretrizes acima, que tenha um projeto de desenvolvimento para o país. Essa será a disputa central que configurará nosso futuro como nação. Diretamente associada a ela está a conformação de uma bancada no Congresso Nacional disposta a sustentar no Legislativo o projeto de país que sair das urnas.
Portanto, em 2022 a disputa eleitoral deve ser a prioridade primeira da sociedade civil organizada, por tudo que representa a continuidade do (des)governo Bolsonaro em termos de regressão econômica, social e política e o que pode significar um novo governo oriundo do campo da esquerda.
Essa prioridade será construída em um contexto situacional no qual:
A inflação estará no início do ano na casa dos 10%, tendendo a queda ao longo do ano. Isso tem trazido, e trará, severas dificuldades paras as negociações, onde quase 2/3 delas não conseguem repor a inflação acumulada.
O aumento dos preços se materializa no alto custo de vida, ou seja, na carestia para grande parte da população. Mesmo que a inflação volte para o centro da meta inflacionária, o custo de vida e a carestia ficarão altos.
O desemprego está na casa dos 13%, com mais de 30 milhões de pessoas formando o contingente de desempregados + os desalentados + os inativos + os subocupados.
O governo jogara com a folga fiscal de R$ 100 bilhões decorrente da PEC 23 (Precatórios) para buscar a sua reeleição.
A economia terá novamente um baixo crescimento – hoje estimado na mediana de 0,7% para o ano. O Banco Central atuará elevando os juros, portanto, colocando o pé no freio do crescimento econômico.
O dólar deve permanecer na casa dos R$ 5,50, o que representa alto custo dos insumos importados e pressão dos preços dos combustíveis.
No jogo político continuará a busca da “terceira via” e sua viabilização. A grande imprensa joga peso no processo eleitoral, hoje com audiências mais distribuídas entre as grandes redes. Já as redes sociais focarão novamente com todos os riscos, nas fake news e há dificuldade de controlá-las. A Justiça Eleitoral terá papel essencial. Lutar por eleições livres e transparentes é uma ação fundamental.
Seria muito importante construir uma vitória nas eleições do campo democrático já no primeiro turno, o que exige um arranjo político (nacional e estados) nada trivial, complexo e com abertura para acordos que não serão simples de se materializar.
Teremos ainda que seguir com os cuidados para enfrentar os desdobramentos da pandemia, sejam decorrentes das novas ondas que poderão requer iniciativas oudo surgimento de novas cepas. Lutar por investimentos em pesquisa de medicamentos e liberação da produção de genéricos; pela garantia da 3ª dose da vacinação e das doses necessárias em 2022, divulgar a necessidade de uso de máscara, de manter distanciamento e higienização constante das mãos são algumas das ações necessárias.
O enfretamento da retomada da atividade econômica frente ao travamento das cadeias de fornecedores, as dificuldades de fornecimento e de custos, entre tantos outros desafios, exigem ações coordenadas que inexistem no país.
4. O que esperar para 2023
Um novo governo assumirá em 2023 em um contexto de grande adversidade:
O país terá completado quase uma década de uma economia de baixo crescimento, duas duras recessões e uma dinâmica produtiva rastejante, que levou ao empobrecimento da milhões de brasileiros. Será decisivo uma iniciativa rápida e ousada nesse campo, como indicado acima.
A situação fiscal não estará fácil, com o teto do gasto colocando os mais variados limites para a ação do novo governo. A receita fiscal está em patamar semelhante ao de 10 anos atrás, contudo a despesa aumentou.
Lula assumiu em 2003 com superávit fiscal de 2,3% do PIB. Estima-se que em 2023 o país terá um déficit fiscal que pode chegar a 2% do PIB.
Investimento público destruído em todas as áreas.
Crises ambiental (desmatamento, queimadas, Amazônia, etc.), social (pobreza, fome, miséria, desemprego), econômica (carestia, anemia da demanda, falta de investimento), relações internacionais esgarçadas.
As fraturas que recepcionarão o novo governo exigirão uma resposta rápida, ousada e inovadora. A “pane de imaginação” precisa ser superada, o tempo corre e há muito trabalho no curtíssimo prazo para eleger um novo governo em 2023, para criar e articular um projeto ousado para ser implementado já nos primeiros 100 dias de governo.
Vencida a eleição, será preciso garantir a posse, em uma transição que será intencionalmente tumultuada (a hipótese aqui é de vitória do campo democrático, situação que exigirá muito trabalho).
5. Desafios para a organização sindical
Por fim, vamos pensar os desafios para a organização sindical.
As mudanças no mundo do trabalho avançam e a organização sindical vai se distanciando dessa nova dinâmica. É urgente avançar na reestruturação do movimento sindical.
Por isso, cabe ao movimento sindical, desde já:
Assumir um protagonismo transformador da sua organização (reestruturação sindical).
Declarar que a reestruturação é e será um projeto e um processo desenvolvido nos marcos e espaços da autonomia da classe trabalhadora.
Definir que asas diretrizes que orientarão a reestruturação serão:
Ampliar a representação para abranger todos os trabalhadores.
Promover ampla sindicalização aumentando a representatividade sindical.
Favorecer a unidade e a agregação no espaço da liberdade sindical.
Valorizar a negociação coletiva, inclusive no setor público.
Criar mecanismos ágeis de solução de conflito.
Criar um sistema sindical e de relações de trabalho com a mínima interferência do Estado.
Por fim, cabe destacar que essas tarefas precisam ser viabilizadas desde já. Não há tempo para perder, muito menos gastar tempo em disputas interna. É tempo de olhar a floresta, sabendo que há árvores. É tempo de construir um projeto para dar vida à floresta. Se houver vida na floresta, poderemos cuidar de cada uma das árvores. Destruída a floresta, as árvores perecerão junto.