Extrema-direita faz tudo para sobreviver – Antônio A. De Queiroz

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A extrema-direita brasileira, para sobreviver politicamente, precisa de álibi que disfarce a verdadeira agenda e os interesses que representa. Esse álibi é construído mediante estratégia que consiste em acusar a esquerda e os setores progressistas de serem os responsáveis pelas mazelas que afetam a população.

A partir dessa premissa, utilizam o populismo digital, disseminando fake news e ameaças, inclusive físicas, para deslegitimar os agentes políticos progressistas, além de questionar a legitimidade do sistema político e suas instituições. Essa abordagem visa ganhar a simpatia de pessoas com menor acesso à educação e a informações críticas, muitas vezes apelando para sentimentos e emoções ao invés de fatos.

A estratégia da extrema-direita não se limita à manipulação da opinião pública entre os menos informados. Essa também se apoia em segmentos da classe média e do mercado, que, por razões distintas, encontram motivos para se aliar a essa corrente política.

A classe média, muitas vezes guiada por valores moralistas e conservadores, vê na agenda progressista ameaça aos seus princípios e modo de vida. Já os setores do mercado se opõem à esquerda e aos governos progressistas por razões econômicas.

Estes setores, nos governos ditos “liberais” e os de extrema-direita, frequentemente se beneficiam de privilégios como a ausência de fiscalização trabalhista, ambiental e tributária, além de renúncias e incentivos fiscais desnecessários, que são questionados e combatidos por governos de orientação progressista.

Assim, a extrema-direita brasileira se fortalece ao formar coalizão que inclui tanto pessoas de baixa cognição, influenciadas pelo populismo digital e fake news, quanto segmentos da classe média e do mercado, movidos por razões moralistas e econômicas. Juntos, esses grupos criam frente unificada contra os governos progressistas, dificultando a implementação de políticas que visem reduzir desigualdades e promover justiça social.

Essa dinâmica é sustentada por constante campanha de desinformação, em que a verdade é frequentemente distorcida para servir aos interesses da extrema-direita. Embora destinada a trazer benefícios aos líderes desses movimentos, a narrativa criada busca pintar a esquerda e os progressistas como inimigos do povo, desviando a atenção das verdadeiras causas das mazelas sociais e econômicas do País.

Em ambiente político polarizado e marcado pela desconfiança nas instituições, essa tática se mostra eficaz para manter a base de apoio da extrema-direita mobilizada e engajada, perpetuando um ciclo de desinformação e resistência às mudanças progressistas.

A mistura de política e religião tem sido utilizada pela extrema-direita no mundo ocidental para evitar políticas públicas em favor das minorias sociais e dos menos favorecidos. Eles criam ambiente favorável à sucessão desse tipo de pensamento, sempre em nome da liberdade, da família, da propriedade e da moralidade e dos chamados bons costumes. Esse álibi apela aos instintos primitivos em lugar de valorizar avaliações baseadas em evidências e, portanto, em racionalidade.

Esse uso instrumental da religião fortalece a narrativa de que os inimigos são os progressistas, que são pintados como ameaças à ordem moral e aos valores tradicionais. É estratégia que, se não for contida, pode levar a erosão contínua das bases democráticas e ao fortalecimento de regimes autoritários.

Além disso, o engajamento da extrema-direita também proporciona lucro para seus operadores. Os principais influenciadores e líderes desse tipo pregação são financiados e monetizam seus sites com anúncios, publicidade direta, solicitam doações — quem não se lembra dos PIX de Bolsonaro? —, recebem por “likes” e vendem produtos e serviços destinados a reforçar a defesa do ideário da extrema-direita. Virou grande negócio.

Foi esse tipo de estratégia que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Esse mesmo modus operandi está em curso no terceiro governo Lula. Ou setores da classe média, o mercado e a mídia agem racionalmente, ou essas forças voltam ao governo e desta vez conseguem implementar a ditadura que Bolsonaro não conseguiu estabelecer devido a erros que não irão repetir, instaurando ditadura duradoura, com repressão das liberdades, inclusive de imprensa e de mercado, além de massacre dos mais pobres, das minorias sociais e sufocamento da classe média.

A polarização política e a desinformação constante amplificam o risco, e promovem cenário, em que o radicalismo ganha terreno. É imperativo que a sociedade civil se una em defesa dos princípios democráticos, garantindo ambiente de diálogo e resistência às ameaças autoritárias.

Por fim, a selvageria dessa gente pode ser medida pela tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro de 2023, pelas agressões verbais nas redes sociais e pela falta de decoro no exercício de mandato no Parlamento, onde promovem gritaria e tumultuam o funcionamento das comissões e ameaçam de agressão física os adversários, inclusive autoridades do Poder Executivo e do Judiciário.

Ou põem um freio nisso ou aqueles que indiretamente apoiam essas ações acabarão por legitimar um cenário de autoritarismo e repressão.

Diante desse cenário alarmante, é crucial que a sociedade brasileira se conscientize dos mecanismos de manipulação e desinformação utilizados pela extrema-direita. A valorização da educação crítica, o fortalecimento das instituições democráticas e a promoção de diálogo baseado em fatos são essenciais para combater a polarização e o ressurgimento de ideologias autoritárias.

Só por meio de esforço coletivo, que inclui todos os setores da sociedade, será possível construir futuro mais justo e equitativo, em que a desinformação e o ressentimento não sejam as forças motrizes da política nacional.

E o primeiro passo seria a regulamentação do uso das redes sociais, com punição severa à produção e disseminação de fake news, assim como estabelecer regras de convívio civilizado nos ambientes coletivos onde essa gente tem presença institucional.

Antônio Augusto De Queiroz, Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV). Ex-diretor de documentação do Diap, idealizador e coordenador da publicação “Cabeças” do Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis e Por dentro do governo – como funciona a máquina pública.