A negociação coletiva é um instrumento central do sistema de relações de trabalho para regular o emprego e os salários, as condições de trabalho, a distribuição da produtividade, o combate às desigualdades, as respostas às mudanças no mundo do trabalho e, não menos importante, contribui para o desenvolvimento econômico e social.
A OCDE elaborou um estudo sobre o estado da arte da negociação coletiva[1] em 36 países, considerando que esse direito fundamental é instituição fundamental do mercado de trabalho para promover o equilíbrio entre a flexibilidade demanda pelo sistema produtivo e as proteções pautadas pelos trabalhadores.
O estudo destaca três funções para a negociação coletiva:
Função inclusiva: dimensão que trata dos reajustes salariais para preservar o poder de compra; dos aumentos dos salários para incorporar os ganhos de produtividade; dos benefícios associados ao transporte, alimentação, saúde, educação; da regulação da jornada e do tempo de trabalho; dos investimentos e políticas voltadas para a formação profissional.
Função de gestão de conflitos: para tratar dos problemas presentes nas relações e gestão do trabalho desde o chão da empresa, passando pelas relações laborais setoriais, com impactos relevantes sobre a redução da judicialização dos conflitos laborais.
Função de proteção: trata da segurança no emprego; da observação das condições de trabalho; das medidas para garantir a saúde e segurança; as iniciativas para atuar em relação aos impactos das inovações tecnológicas; das políticas voltadas para as proteções sociais, laborais e previdenciárias.
A negociação coletiva pode ter impacto sobre a dispersão salarial e as desigualdades de rendimento, seja afetando diretamente o emprego, seja influindo na gestão dos salários setorialmente ou no nível da empresa, com impactos fiscais e nos sistemas de proteção trabalhista e previdenciária.
A melhoria da relação de emprego entre trabalhadores e empresa é uma atribuição importante para investir na autorregulação, visando dar estabilidade e paz às relações de trabalho, com impactos relevantes à eficiência do sistema produtivo e de incremento da produtividade.
Outra dimensão destacada da negociação coletiva é travar a concorrência salarial espúria entre empresas que ocorre quando aumentam seus lucros através da redução dos salários. Outro objetivo é limitar o poder monopsônico das empresas na relação desigual com o trabalhador individualmente, reequilibrando o poder para superar desigualdades na relação e combater a assimetria de informação.
A depender da forma como a organização sindical se torna mais agregadora e da sua representatividade, as experiências de negociação coletiva evidenciam que as desigualdades salariais e de condições de trabalho são reduzidas, com impactos mais robustos para mulheres, indígenas, trabalhadores fora do padrão, jovens e imigrantes.
As características do sistema de relações de trabalho e de negociação coletiva podem ter incidência virtuosa sobre o desempenho econômico e social do desenvolvimento, favorecendo a inovação e o aumento da produtividade, bem como melhorando as condições de vida da coletividade. Um exemplo é a redução da jornada de trabalho, com impactos substantivos sobre o tempo livre dos trabalhadores e com reflexos sobre as múltiplas atividades que se expandem em termos de consumo e serviços, de bem-estar e de impactos positivos sobre a produtividade do trabalho.
Do mesmo modo, políticas gerais como a do salário mínimo ou de proteção dos empregos têm relação direta com os conteúdos tratados pela negociação coletiva e com a condições trabalhistas gerais definidas em lei.
Investir no fortalecimento da negociação coletiva em todos os níveis robustece a cultura política do diálogo social para o tratamento das questões nacionais ou estruturais, para construir projetos e compromissos mais amplos com impactos gerais para toda a sociedade.
Portanto, devemos conceber o sistema de relações de trabalho e de negociação coletiva como parte das instituições da democracia de um país, do processo de deliberação e de escolhas, com diálogos bem estruturados a partir de organizações representativas. Dessa maneira se amplia a capacidade de a sociedade fazer da política um instrumento de construção do seu presente e de formular compromissos para construir o seu futuro.
Clemente Ganz Lúcio, sociólogo, consultor e assessor das Centrais Sindicais.
Clique aqui e leia mais opiniões