Diap: agenda e produção legislativa – Neuriberg Dias

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A produção legislativa do primeiro semestre, entendida como a transformação de proposições legislativas em normas jurídicas, deve ser considerada positiva frente à aprovação de leis que garantem a retomada de políticas sociais essenciais à população.

Ao todo foram incorporadas ao ordenamento jurídico do País 108 Leis Ordinárias, duas Leis Complementares e uma Emenda Constitucional, que foram aprovadas pela Câmara e Senado e sancionadas pelo Poder Executivo ou promulgada pelo Congresso Nacional.

Quanto à autoria dessas Leis, 67% foram iniciativas do Poder Legislativo, 29% do Executivo e 4% do Judiciário, o que reforça o protagonismo parlamentar na elaboração das leis e no ritmo e condução das proposições.

No caso das Medidas Provisórias no governo Lula, houve aprovação, mas com profundas modificações e até a substituição por projetos de lei e/ou não-votadas pelos parlamentares durante o primeiro semestre, o que foi vito como um recado ao Presidente da República.

Ao todo, foram editadas pelo governo 28 MPs, sendo quatro convertidas em Leis; 11 com vigência encerrada por caducidade ou por falta de apreciação no Congresso; e 15 encontram-se em tramitação no Legislativo.

Outro fenômeno curioso sobre a dinâmica legislativa é o fato de que 75% leis resultaram de proposições votadas diretamente no plenário da Casa, mediante requerimento de urgência, com a dispensa da tramitação nas comissões temáticas. Isso corrobora outro fenômeno, que é a centralização da agenda legislativa pelos presidentes das Casas e colégio de líderes.

O expediente de rito de tramitação de proposições – projetos de lei e MPs – tem marcado divergências entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), algo que pressionou o governo a adotar uma espécie de plano B, ao optar pelo envio de projetos de lei em substituição a medidas provisórias.

Tudo indica que ao longo da legislatura – com a permanência das regras de votação hibridas/remota, a redução do pacote de obstrução nas votações, as mudanças regimentais recentes e criação de novas comissões – a tendência seja de ampliação do empoderamento do plenário, especialmente na Câmara.

Em termos qualitativos, fora as matérias remanescente da legislatura anterior, que foram sancionadas este ano, cujo conteúdo da maioria focou em datas comemorativas, homenagem e matérias orçamentárias (créditos especiais e suplementares), pode-se afirmar que as leis positivas resultaram do diálogo e habilidade de Lula, que assumiu a Presidência com uma herança política, fiscal, econômica e social complexa e uma transição de governo praticamente inexistente, de um lado pela recusa do ex-presidente em aceitar o resultado da eleição, e, de outro, pela eleição de grandes bancadas de oposição no Congresso.

Mas o saldo do primeiro semestre é positivo, na medida em que os poderes – Legislativo e Executivo – priorizaram a agenda social gestada ainda na transição de governo com a garantia de recursos para os programas dentro de uma reorganização orçamentária, com o fim do teto gastos e estabelecimento de um prazo pra instituir um novo regime fiscal, previstos na Emenda Constitucional 126/2022.

As propostas transformadas em Lei neste semestre, dentro do novo orçamento do governo Lula, contribuíram para a retomada de programas sociais como condição indispensável pra minimizar os efeitos econômicos e sociais remanescentes da pandemia e de conflitos pelo mundo, em particular, a guerra da Ucrânia.

Exemplo disso foram as Leis 14.601/2013 do novo programa bolsa-família; a Lei 14.620/2013 do novo minha casa minha vida, a lei 14.621/2023 do novo Mais Médicos; a lei 14.645/2013 da nova política de educação profissional e tecnológica; a Lei 14.640/2023 do novo programa escola em tempo integral; a Lei 14.628/2023 do novo programa de aquisição de alimentos.

A pauta governamental avançou na proteção social, ao instituir novos direitos, como a Lei 14.611/2013 sobre a igualdade salarial entre mulheres e homens; e a Lei 14.540/2023 que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, em geral.

Além disto, foi sancionada a Lei 14.532/2023 que tipifica como crime de racismo a injúria racial, prevê pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e ainda pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.

Destaque também para a Lei 14.531/2023, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a fim de dispor sobre a implementação de ações de assistência social, a promoção da saúde mental e a prevenção do suicídio entre profissionais de segurança pública e defesa social e para instituir as diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública e defesa social.

Neste início de governo, o presidente Lula entregou com dificuldade o que prometeu, mas a relação com o Congresso vai continuar exigindo paciência e capacidade de negociação em determinadas votações, mesmo com a possibilidade de ampliação de uma base de apoio parlamentar a partir da reforma ministerial destinada a garantir maior tranquilidade na condução da agenda governamental que depende do Congresso Nacional.

Na nossa expectativa, serão permanentes os desafios do governo pra dialogar com uma fragmentada base de apoio conforme demostrado em estudo “análise do governismo” divulgado pelo Diap, de julho, que tende a manter uma postura na defesa das reformas de viés liberal e conservador, sendo que as bandeiras da liberdade econômica e dos costumes devem manter unidos esses partidos contra qualquer proposta de revisão estruturante.

FUTURO – O segundo semestre será de intensa articulação da agenda econômica com a conclusão da votação: do novo arcabouço fiscal (PLP 93); do Carf (PL 2384); da reforma tributária (PEC 45); do orçamento 2024 (aguarda envio); da Lei das fake News (PL 2630); da política de valorização do salário mínimo (MP 1172 e PL 2385); do programa Desenrola Brasil (MP 1.176); do programa para o fim das filas no INSS (MP 1.181); da regulamentação das apostas digitais (MP 1.182); do reajuste do funcionalismo público (MP 1170); da operacionalização e portabilidade do programa de alimentação do trabalhador (MP 1173); da correção da tabela do imposto de renda (MP 1171); dentre outras, como até a possibilidade de envio da proposta de modernização trabalhista/sindical e da regulamentação do trabalho em aplicativo.

*Jornalista, Analista Político e Diretor de Documentação licenciado do Diap