Governos devem assumir a responsabilidade de prover suas populações com saneamento básico público e universal. Setor, essencial à saúde e ao bem-estar coletivo, não pode ser transformado em negócio lucrativo para poucos.
Entre os serviços essenciais aos quais os cidadãos têm direito e que devem ser garantidos pelo Estado, nada é mais fundamental que o acesso a recursos hídricos, absolutamente crucial à vida humana. Na comemoração de mais um Dia Mundial da Água, celebrado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 22 de março, chama a atenção a situação chocante que aponta haver cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo desprovidas desse bem vital. O dado constava do relatório divulgado em 2023 e que trazia projeções alarmantes, tendo em vista a crescente escassez e o aumento da poluição.
Esse quadro se dá obviamente por inúmeros fatores e demanda ação global para assegurar condições de vida digna a todos os seres humanos do planeta. Combater a situação já problemática na atualidade, e que pode se agravar ainda mais no futuro, exige também conscientização e um compromisso efetivo pela conservação por parte de todos.
É preciso agir ainda em âmbito nacional, regional e local, buscando os melhores caminhos em defesa do meio ambiente, da saúde das pessoas e do desenvolvimento sustentável. Esse aspecto nos leva ao debate da questão no Brasil e à ameaça de que se tomem rumos sabidamente equivocados. Não há como pensar no desafio de garantir justiça no acesso à água sem levar em conta as propostas privatistas que rondam o assunto.
O caso emblemático em pauta no momento é a intenção do governo paulista de se ver livre da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), empresa modelo no setor, conhecida pela competência técnica e que tem gerado resultados bilionários, com lucros aos acionistas privados e ao tesouro do Estado.
Como nunca é demais lembrar, a empresa tem índice de 100% de abastecimento de água nos 372 municípios em que opera, somando 28,4 milhões de pessoas. Quanto a esgotamento sanitário, a coleta alcança 90% e deste montante, 77% com tratamento. A expectativa é atingir a universalização até 2030, antecipando em três anos o prazo determinado pela Lei 14.026/2020.
Apesar de todas as evidências a indicarem que a empresa deve permanecer pública para avançar no bom serviço prestado, sua privatização foi aprovada pela Assembleia Legislativa no final do ano passado.
O risco que se corre, como observado nas várias partes do mundo em que serviços de água vem sendo reestatizados após o malogro da atuação do mercado, é a queda na qualidade e o aumento dos preços, com os agentes privados focados na obtenção de lucro. Essa lógica, incompatível com um setor vital, deixará os locais remotos e pouco populosos sem atendimento; os municípios menores e mais pobres, hoje beneficiados pelo subsídio cruzado praticado pela Sabesp, serão deixados à própria sorte, sem condições de arcar com tarifas elevadas.
O Brasil tem condições de avançar significativamente nessa área e superar o atual quadro que ainda mantém 49 milhões de pessoas sem esgotamento sanitário adequado e 27 milhões sem fornecimento de água tratada, mas é essencial que tomemos as decisões acertadas. Caso contrário, o grave risco que se corre é um retrocesso que submeterá a nossa população a precariedade ainda maior.
O tema integra a próxima edição do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, a ser lançada em junho deste ano, como contribuição ao debate sobre qualidade de vida nas cidades do País. Celebremos o Dia Mundial da Água fortalecendo a luta para que esse direito humano seja respeitado.
Eng. Murilo Pinheiro, Presidente Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo.