Significado da escolha de Gleisi para SRI – Antônio de Queiroz

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A indicação da deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) para a SRI (Secretaria de Relações Institucionais) da Presidência da República representa decisão estratégica do governo, alinhada com a ideia de continuidade do projeto presidencial para além do atual mandato.

Essa escolha reflete não apenas a experiência política da deputada, mas também o compromisso com a agenda governamental e a necessidade de fortalecer a base de apoio do governo no Congresso Nacional, e evitar conflitos desnecessários, afim de garantir a governabilidade.

Gleisi Hoffmann traz consigo trajetória política robusta, que inclui passagens pelo Senado Federal, pela chefia da Casa Civil da Presidência da República e pela presidência nacional do PT. A atuação dela à frente do partido durante as negociações que resultaram na coligação que elegeu Lula (PT) em 2022 foi fundamental para a formação da base de apoio que sustenta o governo atual.

Essa experiência a credencia para assumir papel central na articulação política, especialmente em cenário marcado pela diversidade de partidos, incluindo aliados de centro-direita e até mesmo de direita.

Núcleo duro do governo
A escolha de Gleisi para a SRI também reflete a decisão de o presidente priorizar nomes de confiança no núcleo duro do governo, evitando a inclusão de aliados considerados pouco comprometidos com as diretrizes governamentais.

Essa postura reforça a importância da SRI como pasta estratégica, responsável por mediar o diálogo entre o Executivo e o Legislativo, a fim de garantir a aprovação de projetos de interesse do governo e a manutenção da estabilidade política.

No entanto, o governo estava ciente de que a indicação de Gleisi poderia gerar resistências, especialmente entre partidos da base aliada. Para mitigar possíveis atritos, o presidente adotou postura de transparência e respeito ao Parlamento, e comunicou previamente a escolha aos presidentes da Câmara e do Senado.

Construção de pontes
Além disso, a própria Gleisi tomou a iniciativa de dialogar com o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), que havia sido cotado na mídia como nome forte para assumir o cargo deixado por Alexandre Padilha. Esses gestos demonstram preocupação em construir pontes e facilitar o trabalho da nova chefe da SRI.

A experiência de Gleisi na articulação política será fundamental para enfrentar os desafios que se apresentam. A SRI terá papel central na negociação de agendas prioritárias, como a regulamentação da Reforma Tributária, a recomposição do Orçamento Público e a manutenção da coesão da base aliada.

A capacidade de diálogo dela e a compreensão das dinâmicas partidárias serão ativos valiosos para o governo, especialmente em cenário político fragmentado e polarizado.

Agenda social do governo
Além disso, para o governo do presidente Lula (PT), seria difícil entregar a direção do Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável), que possui representantes de diversos setores da sociedade, a partido situado à direita do espectro político.

Historicamente, partidos mais alinhados à direita tendem a priorizar agenda menos focada em diálogos amplos e participativos, característica que contrasta com a tradição dos partidos progressistas, como o PT, de valorizar espaços de discussão plural e inclusiva.

O Conselhão, criado durante o primeiro governo Lula e recriado no terceiro mandato, é símbolo dessa abordagem, e funciona como fórum de debates entre governo, sociedade civil, sindicatos, empresários e movimentos sociais, com o objetivo de construir políticas públicas de forma colaborativa.

De fato, entregar a liderança desse espaço a partido que não compartilha a mesma valorização do diálogo social poderia comprometer a essência do Conselhão, reduzindo sua capacidade de funcionar como ponte entre o governo e a sociedade.

Para governo que busca reconstruir laços de confiança e ampliar a participação popular, manter a gestão do Conselhão sob a égide de partidos progressistas é escolha estratégica.

Consensos, justiça social e desenvolvimento sustentável
Isso garante que o espaço continue a ser ambiente de construção de consensos e de promoção de políticas públicas inclusivas, alinhadas aos princípios de justiça social e desenvolvimento sustentável, que marcam a trajetória política de Lula.

Portanto, a decisão de não ceder essa liderança a partidos à direita reflete não apenas questão de alinhamento ideológico, mas também compromisso com a manutenção de modelo de governança participativa e democrática

Outro papel no interior do governo
Por fim, enganam-se aqueles que pensam que Gleisi Hoffmann foi indicada para a SRI, com o objetivo de combater a equipe econômica do governo. Essa suposição surge, em parte, devido aos embates que ela travou como presidente nacional do PT, quando, em defesa das bandeiras partidárias, criticou publicamente algumas medidas econômicas consideradas ortodoxas ou excessivamente alinhadas ao mercado.

No entanto, é importante destacar que o papel de liderança partidária é distinto da função de integrante do governo. Enquanto no primeiro caso a atuação é marcada pela defesa de posições ideológicas e pela mobilização da base partidária, no segundo, a prioridade é a construção de consensos e a articulação política em prol da governabilidade.

Como ministra da SRI, Gleisi não terá como objetivo criar conflitos internos, mas sim mediar diálogos e garantir que as diferentes visões dentro do governo sejam harmonizadas em torno de projeto comum.

A experiência política e capacidade de negociação dela serão fundamentais para aproximar setores progressistas e moderados, incluindo a equipe econômica, em busca de soluções que equilibrem crescimento econômico, responsabilidade fiscal e justiça social.

Novos desafios, outras posturas
Portanto, as críticas antecipadas que lhe são dirigidas, baseadas na atuação anterior dela, como presidente do PT, não correspondem à realidade dos novos desafios que ela enfrentará.

Os papéis que exerceu no partido e os que exercerá no governo são distintos, e a indicação dela reflete justamente a confiança do presidente Lula na habilidade de atuar como articuladora eficiente e pragmática, em sintonia com os objetivos do governo.

Em suma, a escolha de Gleisi Hoffmann para a SRI é decisão que combina experiência política, estratégia de governabilidade e respeito ao Parlamento. Esses fatores, somados aos gestos de diálogo e transparência adotados pelo governo, tendem a facilitar o trabalho da nova chefe da SRI e a fortalecer a capacidade de articulação do governo no cenário político atual.

Em sistema marcado pela necessidade de defesa do programa de governo, a nomeação de Gleisi representa passo importante para garantir a eficácia e a continuidade das políticas públicas.

Antônio Augusto de Queiroz é analista e consultor político do DIAP