17.2 C
São Paulo
sexta-feira, 19/04/2024

“Vida longa à CLT!

Data:

Compartilhe:

A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo presidente Getúlio Vargas dia 1º de Maio de 1943, representou uma mudança radical na forma como o Estado brasileiro trata o povo. Com 922 Artigos, a CLT passou um pente fino nos diversos ofícios praticados no País em uma enorme tarefa de organizar o mundo do trabalho. Ela definiu o que é rural e urbano, o que é serviço público e privado, delimitou jornadas, definiu os deveres dos empregadores, abordou questões de saúde e segurança, previdência social, representação sindical etc. Foi um esforço de projetar o País em larga escala nunca antes visto.

Não se pode dizer que não havia lei trabalhista antes da CLT. A construção da nossa República, já em seu advento em 1889, buscou, ainda que tardiamente, inserir o País no mundo capitalista. Mas aquelas primeiras leis eram tão frágeis e tendenciosas quanto as ideias das classes dominantes sobre o fim da escravidão. Mesmo após a Abolição, em 13 de maio de 1888, as relações patrão/empregado mantiveram o caráter autoritário, desumano e injusto que vigorou em quase 400 anos de escravidão.

Após a Revolução de 30 foi implementado um projeto desenvolvimentista, que exigia tanto uma mão de obra mais qualificada, quanto um crescente mercado consumidor. E a criação, em novembro de 1930, do Ministério do Trabalho, chamado de nada menos que “Ministério da Revolução”, foi fundamental para criar a estrutura de proteção ao trabalhador para o Brasil industrializado que Vargas vislumbrava.

Demandas sindicais, como jornada de oito horas, salário mínimo, voto feminino, regulamentação da sindicalização, licença-maternidade, entre outras, reivindicadas em greves, como as de 1917 e 1919, e por meio de organizações, como a Confederação Operária Brasileira (1906 a 1920), encontraram lugar no projeto do governo. Direitos trabalhistas mais abrangentes começaram a aparecer desde então.

A CLT proporcionou, enfim, a criação de uma classe média no Brasil, oferecendo ao povo a possibilidade de organizar a vida, planejar o futuro, crescer profissionalmente e de ascender socialmente. São gerações de pais e mães de família que não só passaram a ter mais segurança em seus empregos, como também a buscar qualificação técnica e a valorizar a educação dos filhos.

A legislação trabalhista passou por diversas mudanças. Algumas vezes pra melhor, como a equiparação dos direitos de homens e mulheres e de trabalhadores rurais e urbanos, a proibição da discriminação (por sexo, raça e cor ou estado civil), negociação coletiva e da organização sindical no serviço público, redução da jornada de 48 pra 44 horas semanais etc. Conquistas que resultaram de lutas sindicais e sociais.

Mas, como os descendentes dos oligarcas da República Velha jamais aceitaram a mudança de status dos trabalhadores de escravizados para civis com participação política, econômica e cultural, nem sempre as mudanças foram populares.

Basta observar que, quanto mais o governo sustenta uma concepção feudal do Brasil, maior é o número de mudanças na CLT que ele promove. Durante a ditadura militar, por exemplo, houve várias alterações, como a substituição da lei que garantia estabilidade no emprego após 10 anos numa mesma empresa, pela criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Mudança que incentivou a rotatividade da força de trabalho.

O maior desmonte em toda a história da legislação ocorreu nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. Não é mero deboche chamar a reforma trabalhista de 2017 de “deforma” como muitos fazem. Com alteração de mais de 200 dispositivos, seguida por outras minirreformas, a Lei 13.467/2017 forjou uma verdadeira deformação na CLT.

Assistimos ao fenômeno da uberização, vendido pelos governos Temer e Bolsonaro como geração de empregos. São empregos, todavia, circunscritos ao aqui e agora, que mal formam um presente, quem dirá um futuro.

A ampla retirada de direitos e a redução do poder do Estado tiveram efeitos nefastos, como a fragilização dos Sindicatos, a precarização do trabalho, a diminuição do rendimento médio da população, a desindustrialização, a elevação do número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, fome generalizada, além do aumento da criminalidade e da violência.

A reforma foi anunciada como “modernização”, como se representasse um avanço nas relações de trabalho. Mas o cerceamento das leis trabalhistas, do movimento sindical e da classe operária, práticas reeditadas ao longo da história, são formas de conter o desenvolvimento inaugurado na década de 1930. Desenvolvimento que, todavia, ainda está em curso.

Mesmo que a CLT tivesse completado sua missão de garantir segurança e poder de escolha a todos os brasileiros, ainda assim a presença do Estado e a participação ativa das entidades sindicais seriam importantes para garantir isonomia na relação patrão/empregado.

Somente uma mudança de patamar histórico, com uma elevação coletiva da consciência, poderia engendrar relações seguras e justas independentemente da obrigação da lei. A realidade do Brasil de 2023 está muito longe desse patamar. O que move nossa sociedade é a constante tensão entre a busca das classes dominantes por privilégios e a luta classes populares para que a vida seja mais do que o pão de cada dia.

É um grande cinismo atribuir à retirada de direitos o caráter de “modernização” quando sua essência é a do retrocesso à República Velha. Os 80 anos da CLT são ainda pouco tempo frente aos quase 400 anos de escravidão que normalizaram o racismo, os abusos e a exploração desenfreada dos trabalhadores.

É por isso que neste 1º de Maio de 2023 a CLT chega aos 80 anos como um dos maiores marcos civilizatórios da nossa história. A crise socioeconômica de 2016 a 2022, agravada pela pandemia, reforçou a importância e a necessidade da Consolidação das Leis do Trabalho.

A segurança do povo brasileiro frente à contradição entre o capital e o trabalho ainda reside na legislação trabalhista, nas convenções coletivas e na organização sindical. É isso que buscamos construir: um País com contratos sociais justos, públicos e incontestáveis que diminuam as disparidades regionais e sociais, e acima de tudo, que assegurem ao trabalhador sua liberdade, sua dignidade e sua posição como cidadão.

Miguel Torres, Força Sindical; Ricardo Patah, União Geral dos Trabalhadores; Adilson Araújo, Central dos Trabalhadores do Brasil; Antonio Neto, Central dos Sindicatos Brasileiros; Moacyr Roberto Tesch Auersvald, Nova Central Sindical de Trabalhadores; Nilza Pereira, Secretária-geral da Intersindical Central da Classe Trabalhadora; José Gozze, Pública, Central do Servidor.

Conteúdo Relacionado

CNTA e parceiras realizarão Seminário de Negociações coletivas

No próximo dia 18, as maiores entidades sindicais que representam trabalhadores da alimentação vão discutir, em São Paulo, as negociações coletivas da categoria. O...

FUP reconta a história da Petrobrás desde a fundação

A Petrobrás completa 70 anos, com uma trajetória permeada por ataques, resistência e superação. Desde que foi criada, em 3 de outubro de 1953,...

Anatel oferece prestação de serviços e informação via telefone

Pouca gente sabe, mas o Governo Federal, por meio da Agência Nacional Telecomunicações (Anatel), presta dezenas de serviços de interesse do cidadão por meio...

Comerciários paulistas reafirmam sindicalismo forte e cidadão

A Federação dos Comerciários do Estado de São Paulo acaba de realizar seu mais importante evento, o Congresso anual. A edição deste ano foi...

Vídeo mostra disposição de luta dos Metalúrgicos de Guarulhos

Na sexta (15), o Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região promoveu assembleia da campanha salarial 2023 para discutir a pauta. A sede da...