Sem assumir sua responsabilidade nas falhas ocorridas ao longo de vários dias, distribuidora não se compromete em melhorar seu desempenho. Novos transtornos à população demonstram, mais uma vez, o equívoco da privatização dos setores essenciais.
Excesso de calor, outra companhia, ligações clandestinas e até a população que não avisa sobre o aumento de consumo foram apontados por representantes da Enel, empresa responsável pela distribuição de energia em São Paulo, como culpados pelos apagões que se repetiram por vários dias na semana passada. O problema que atingiu a área central da capital paulista teve início na segunda (18/3) e prolongou-se até a sexta-feira (22/3) sem que uma resposta satisfatória fosse dada.
Simbolicamente, na quinta-feira (21/3) à noite, ícones da cidade, como a esquina da Avenida Ipiranga com a São João e os edifícios Copan e Itália, encontravam-se em profunda escuridão. O transtorno atingiu residências, escritórios, estabelecimentos comerciais e até a Santa Casa de Misericórdia, que precisou adiar exames e atendimentos laboratoriais, concentrando o uso de geradores para fazer frente às emergências.
No jogo de empurra exibido pela empresa, mais preocupante ainda é imaginar que pouco ou nada será feito para evitar que o problema se repita. Se a companhia não assume sua responsabilidade, não fará nada para corrigir os erros que ocasionaram os episódios. Diante disso, é urgente que Agência Reguladora de Serviços Públicos de São Paulo (Arsesp) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tomem as providências cabíveis para fazer com que a Enel cumpra, ao menos, com suas obrigações contratuais.
A questão já tinha vindo à baila em novembro passado, quando, três dias após a tempestade que atingiu o Estado de São Paulo, a Enel ainda mantinha cerca de 500 mil endereços sem energia na Capital. Em 15 de março último, a Aneel anunciou a multa de R$ 165 milhões como penalidade à empresa, que tinha a prerrogativa de recorrer.
Ainda que a punição se confirme, não serão sanados os prejuízos e transtornos incalculáveis, irrecuperáveis para a maioria dos consumidores, tendo em vista a complacência tácita com o serviço público de baixa qualidade quando prestado por entes privados, cujo principal objetivo é o lucro. Daí a necessária reflexão sobre a incompatibilidade entre atividades essenciais e até vitais e a lógica de mercado, que visa o máximo retorno com o mínimo investimento.
Entre os feitos históricos da engenharia nacional, está a construção de um setor elétrico de excelência que tinha, nas companhias públicas e seus profissionais de altíssimo nível, a garantia de eficiência. Isso se dava com planejamento e os investimentos necessários em manutenção, modernização e expansão. Os agentes privados que viram nas privatizações oportunidades de bons negócios, a partir de estruturas já montadas com o dinheiro do contribuinte, impuseram a dinâmica de cortes de mão de obra qualificada e uso até a saturação do que já existia.
Demissões, terceirização e outras reduções de despesas para ampliar a margem de ganho acabaram por se traduzir em dor de cabeça para quem paga a conta, cada vez mais salgada, por sinal – levantamento aponta que a tarifa subiu 70% entre 2015 e 2022, bem acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que ficou em 58% no mesmo período.
É urgente superar o discurso dogmático da privatização sem limites e sem controle social efetivo.
Eng. Murilo Pinheiro, Presidente Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo.