Teto de gastos: equívoco transformado em dogma

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Murilo Pinheiro
Presidente do Sindicato dos Engenheiros do
Estado de São Paulo (Seesp) 
e da Federação da categoria (FNE)

A Emenda à Constituição nº 95, aprovada em 2016, implantou o que ficou conhecido como “teto de gastos”. Em resumo, o Novo Regime Fiscal determina o congelamento das despesas públicas ao limite da inflação. Ou seja, o Estado está proibido, ao longo de duas décadas, de desembolsar mais que o ano anterior em valores reais.

Como foi amplamente alertado, mas lamentavelmente sem grande reverberação nos grandes meios de comunicação, trata-se de tarefa impraticável, pois não contempla sequer o crescimento da população. E muito menos ainda as inúmeras e enormes demandas existentes nos serviços essenciais e investimentos em infraestrutura.

Note-se que tal medida foi tomada em momento já de retração na economia, o que exigia ações de estímulo à produção e ao emprego, impedidas pelo freio fiscal. Chama ainda mais a atenção que, embora rígido com necessidades prementes do País e da população, o mecanismo não estabelece controle sobre despesas financeiras; o pagamento dos juros da dívida, portanto, seguiu sem amarras.

Se esse quadro já era inaceitável, a partir deste ano, com as obrigações impostas pela pandemia do novo coronavírus, ficou ainda mais evidente a impossibilidade de a sociedade brasileira seguir sustentando uma regra que inviabiliza, em certos casos literalmente, a sua sobrevivência.

O auxílio emergencial, que, mesmo sem ter chegado com a rapidez necessária e a todos que dele precisam, impediu a entrada de milhões na linha da miséria, deve seguir em vigor enquanto for preciso. Ou o País que já conseguiu sair do mapa mundial da fome se transformará numa nação de famintos. É necessário ainda dar crédito e suporte para que as empresas não demitam e mantenham suas atividades, apesar das restrições da quarentena. E, por fim, deve-se pensar adiante e atuar com vistas à recuperação pós-pandemia.

É urgente travar esse debate com clareza, pois o equívoco cometido em 2016 com a mudança na Carta Magna passa agora a ser tratado como dogma intocável pelos defensores da austeridade fiscal, o nome respeitável que se dá à farra do rentismo. Aqueles que lutam por desenvolvimento e condições de vida digna precisam compreender o que está em jogo e posicionar-se nessa discussão.

Ninguém em sã consciência defende que o Estado esbanje dinheiro público e menos ainda que o queime na fogueira da corrupção. No entanto, carece de lógica imaginar que milhões de brasileiros trabalharão arduamente e pagarão impostos para que o mercado financeiro permaneça “calmo”, enquanto nos faltam alimentos, escolas, hospitais, ferrovias, pesquisa e desenvolvimento e tudo que é essencial ao País.

A Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) e seus sindicatos filiados defendem, no âmbito do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, um caminho que garanta geração e distribuição de renda e avanço científico e tecnológico. Nada disso cabe num teto que ameaça esmagar nossas aspirações de nação próspera e justa.